Eu, Você e a Praça

Logo pela manhã
(o sol nem fazia ainda sombra nos pinheiros e nas estátuas)
Sento-me à praça 
Para entornar um latão.
Praça Allan Kardec, 
O codificador do espiritismo.
E os fantasmas do local
Me acolhem em visita.
Nunca tive medo de fantasmas.
Acompanham-me desde sempre.

Vejo o fantasma da sibipiruna,
Sacrificada
Em estado terminal
A bem dos passantes 
E dos carros estacionados ao meio-fio.
Em seu lugar
Uma moita de dracenas vermelhas.

Vejo o fantasma do seo Otacílio,
Com sua sacola de pano a tiracolo
E seu cabo de vassoura terminado em espeto
A recolher as folhas mortas
(lágrimas deitadas pela magnólia)
E o lixo estéril semeado ali por mãos humanas.

Vejo o fantasma do gato amarelo
Gordo e mal-encarado
Com um pedaço da orelha esquerda a lhe faltar
(na minha cabeça, sempre o chamei de Van Gogh),
Feito, provavelmente, em troféu de guerra a um outro macho
Na disputa por suculenta xaninha.
Vejo o fantasma de todas as pombas-rolas devoradas por ele
A lhe rodear
Em voos rasantes de provocacão.

Vejo o seu fantasma de natais passados.
Ao meu lado,
Rindo e entornando
Vinho barato no gargalo.
Nossos dedos no cimento do banco
A dançarem um lascivo tango.

Quem passa e me vê
Talvez me julgue um fantasma, também,
Me veja um fantasma.
Tristonho,
Saudoso,
Teimosamente esperançoso.
 
Não são, 
Enfim,
A tristeza,
A saudade,
A esperança, 
Os fantasmas que nunca nos deixarão?


O título da postagem foi roubado descaradamente da canção homônima de Odair José.

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