Bosta em Lata

Quem disse que toda publicidade precisa ser um fraudulento canto de sereia celta peituda? Que todo anúncio tem de ser um engodo e um ludibrio? Que a propaganda é a suma arte do ardil e da trapaça? Que toda mensagem publicitária é, obrigatoriamente, uma dama pérfida e dissimulada sempre a trajar lingerie de meias-luzes e cintas-ligas de meias-verdades? Deixando entrever só o que nos aguça o desejo e ocultando o que poderia ser objeto de desapreço?
As meias-verdades são a estratégia-mestra dos anúncios comerciais que nos atingem hoje em dia. Exaltam um atributo de fato real do produto, porém, por outro lado, não nos conta de possíveis efeitos danosos, colaterais. Feito o sabão em pó X, cuja fórmula exclusiva promete lavar, desengordurar e deixar as roupas muito mais brancas e brilhante que o seu concorrente Y. Poder confirmado na prática pela dona de casa. Contudo, não é informado que o mesmo composto miraculoso da fórmula exclusiva pode agredir mais as fibras do tecido, reduzindo sua vida útil. Igualmente, a pasta de dentes que promete um branco de artistas de Hollywood para os seus dentes em algumas semanas de uso. E funciona. O porquê não é dito. Funciona por conter micropartículas abrasivas em sua composição, microlixas que vão de bicarbonato de sódio a conchas calcáreas de moluscos e diatomáceas. O mesmo fator branqueador risca e arranha o esmalte dos dentes, deixando-os mais sujeitos à cáries. Ou, ainda, aqueles famosos temperos que não podem faltar na cozinha de quem põe "amor" na sua comida. Prometem realçar o gosto, promover uma explosão de sabores em sua boca. De fato o fazem, posto que são uma verdadeira bomba de sódio, sobretudo o glutamato, cujo uso frequente pode causar, segundo a nutricionista Danielle Batista, desde alergias cutâneas até náuseas, vômito, enxaquecas, asma, taquicardia, tonturas, hipertensão arterial a até mesmo depressão.
Não haverá, na publicidade, lebre que não seja gato? Não existirá um matrimônio honesto e fiel entre a criatividade expressa (e impressa) na embalagem de um produto, tão necessária à sua veiculação e à sua venda , e o conteúdo que ela abriga?
Pois vos digo que o enlace harmonioso entre a criatividade e a sinceridade é, sim, possível. Raro, é verdade. Raríssimo, mas possível.
É o caso do produto que é o motivo desta postagem. Ele é, de longe, o melhor exemplo que já vi disso. Duvido que haja outro, tanto na publicidade brasileira quanto na mundial, que tenha conseguido tão bem unir por laços indissolúveis criatividade e sinceridade. Até então, neste quesito, tinha cá pra mim como imbatível a famosa Vaselina Pacu, já mostrada aqui no Marreta na postagem Vaselina Pacu. Mas este agora a desbancou fácil.
É a marca de um adubo orgânico produzido e comercializado pelo empresário Leonardo de Matos, de São José do Rio Preto, SP. O adubo orgânico anda muito em voga, é um dos artigos mais queridinhos pelos "verdinhos" politicamente corretos, pelos ecochatos, pelo povo do autossustentável e biodinâmico, a turminha sensível e antenada que cultiva os seus próprios "temperinhos" em embalagens PET recicláveis e outras viadagens de quem tá com a vida ganha e o bucho e a geladeira cheios. Dizem de suas hortas orgânicas de boca cheia. Como se o tal adubo orgânico fosse um maná deitado do Olimpo pela própria deusa Deméter, como se ele não fosse, pura e simplesmente, bosta.
Pois é desta forma, é com essa criatividade sincera, ou com essa sinceridade criativa, que Leonardo Matos vende o seu produto : dizendo que ele é uma bosta. O Bosta em Lata.
Nunca houve na história da propaganda tanta fidedignidade entre embalagem e produto vendido, entre o continente e o conteúdo! Nunca ninguém fora tão curto e grosso. E genial!
O Bosta em lata tem 10% de merda de vaca e o restante é formado por turfa, um tipo de musgo, matéria vegetal, enfim, e terra. E tem Bosta em Lata para todos os gostos e tipos de plantas, para hortaliças, samambaias, orquídeas, bonsai, cactos e suculentas. O produto, segundo o empresário, levou dois anos para ser desenvolvido e chegar em sua forma final. Pois o que a embalagem do adubo tem de sincera, a história de sua criação tem de embromação. Dois anos para se chegar à composição do Bosta em Lata? Para concluir que um bom adubo tem partes de matéria animal, de matéria vegetal e terra?
Até a minha avó e a avó dela e a avó da avó dela já sabiam disso. No lugar da merda bovina, minha avó usava esterco de cavalo, às vezes, de galinha, no lugar da turfa, cascas e restos variados de vegetais, batata, beterraba, cebola, bagaço de laranja etc, e tudo misturado na terra. Até mesmo um importante componente mineral, o cálcio, minha avó fornecia para as suas couves, cebolinhas, salsinhas, alfaces, dálias e morangueiros ao espalhar cascas de ovos trituradas por sobre os seus canteiros.
Independente disso, do florear em torno da origem do adubo, e talvez seduzido pela coragem do rótulo, que anuncia ipsis litteris o que vende, fiquei motivado a adquirir uma lata do Bosta em Lata. Os meus cactos e minhas suculentas bem estão a merecer um tônico revigorante. Entrei no site do Bosta em Lata e lá estava : R$ 37,90 por uma embalagem de 400 g do Bosta em Lata. Quase 100 reais por um quilo de merda! Valha-me São Piero Manzoni!!! Por esse preço, eu mesmo cago nos meus vasinhos!!!
Pããããããããta que o pariu!!!!

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3 Comentários

  1. Em que século teriam previsto que o ser humano do Séc. XXI iria pagar cem reais (sabe-se lá quantas moedas de ouro na economia de cada época) por um pote colorido de 1kg de merda? Se tudo der certo com a compostagem que estou desenvolvendo, pensarei em vender merda também em latas coloridas para ganhar uma grana (ou em latas de cerveja reutilizáveis, para ter uma desculpa para beber e ser ecológico). E já até pensei no nome do produto: "Adubosta".

    Ou, quem sabe, "Estercomida", para latas gourmet com a foto da deusa da fertilidade "Esther" (ou Eostre), no jogo de palavras entre "esterco", "comida" e "Ester comida".

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    1. A ideia de vender dentro de latas de cerveja é boa, mas não é nova, tem muita bosta em lata dessas por ai, por exemplo, uma que se chama Krill.

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  2. Há que se manter um pouco de elegãncia! "Estercomida" é ótimo nome, embora tenha uma sonoridade semelhante a formicida. Em BH, anos atrás, anunciavam nos jornais o produto "Josta", esterco...

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