Dasvidaniya, Natasha, Dasvidaniya.

Conheci Natasha inda na década de 1990. Ateu que eu era das paixões súbitas, tornou-me em um prosélito do amor à primeira vista. Embeveci-me de Natasha. A rigidez de sua compleição, a hierarquia de suas formas. Arestas onde é necessário que nos agarremos; recôncavos onde se faz preciso deslizar e aninharmo-nos. Densa e volumosa nos lugares certos.
Inúmeras foram as madrugadas de sonhos, desejos de revolução e partituras nos olhos me proporcionadas por Natasha. Bem como - e ela não seria mulher se assim não tivesse sido - algumas dores de cabeça..
Mestra dos desencontros, a Vida ausentou-nos. Eu de Natasha. Inda mais ela de mim. Deixamos de nos cruzar nos bares, nos cinemas, nas ruas, nos mercados e bazares de Istambul e Bagdá. Seu telefone, nunca o soube. Sobremenos o seu CEP. Talvez preguiçosa de se ir às ruas, Natasha. Deitada a pendular baianamente em alguma rede social. Deitada eternamente, ao menos por um ou dois bons lustros.
Ontem, meu olhar, cujo GPS desistira há tempos de rastreá-la, cruzou com o de Natasha. O meu de um lado, o dela - vitral de igreja russa ortodoxa - do outro de uma prateleira de um hipermercado. Recordei-me de seus prazeres de cofre, de sua dança de matrioska de sete véus. Salivei e pauduresci na hora. Convidei-a, tomei-a pela mão - ela a mim pela coleira - e a levei para minha casa.
A Vida, súcubo famélico, é bem verdade, nos erode, assoreia e carcome; nos enfraquece e nos exangue, enfim. Porém, nunca supus Natasha sujeita à ferrugem dos anos bissextos. Nunca supus a sua robustez de agricultora de batatas minorada à esqualidez amarela de um Jeca Tatu. Nunca a supus vulnerável ao sépia que monta assentamentos em velhas fotografias.
Menos portentosa e túrgida, estava Natasha; percebi logo nas preliminares. De um litro, descera a 900 ml. Também perdera muito no furor, na volúpia; menos torquês, o seu pompoarismo. De 40º G.L., empalidecera a 36,3º G.L.
Não a rejeitei, no entanto; não cometi tamanha deselegância. Inda assim, beijei-a de língua, banhei-me em suas termas siberianas. Muito mais por polidez e consideração que por ganas de tatuar-lhe roxos ao pescoço e o registro de minha arcada dentária aos peitos. Muito mais um reencontro de velhos formandos carecas e pançudos que uma festa na república. Muito mais uma missa de sétimo dia que um novo batismo.
Melhor que não mais, Natasha, melhor que não mais. Deixemos nossa história à História. Ao tempo o que é do tempo, minha linda, este despótico imperador romano com saturnismo.
Dasvidaniya, Natasha... Dasvidaniya...

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3 Comentários

  1. Quem sabe abraça o ORLOFF?
    Falando sério, o teor alcoólico para vodka fica entre 30 e 60º. Aqui no BR a legislação não permite esse volume máximo.

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  2. Apesar do "Adeus!" em russo, o texto me fez lembrar do filme "Casablanca". Muito legal!

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    1. Rapaz, sabe que essa é uma imperdoável lacuna na minha cultura cinêfila? Nunca assisti à Casablanca. Já estive com uma fita VHS em mãos, já baixei o filme uma vez, mas nunca me dispus a assisti-lo. Depois desse seu comentário, pretendo corrigir isso.

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