Diálogo Travado Entre Maria do Rosário e o Assaltante que Levou seu Carro, por Eduardo Affonso

- Perdeu, tia!
 
- O quê queísso? O quê queísso?

  - Isso é um assalto, tia. Entrega logo o celular, a carteira, senão leva chumbo.

- Não mesmo! Isso não é um assalto, isso é uma expropriação, uma distribuição de renda, uma socialização dos bens de consumo.

- Não enrola, tia. Larga a chave e vaza!

- Você é uma vítima da sociedade...

- Vítima vai ser a senhora se não calar essa boca e me entregar o carro.

- ... uma criança!

- Que porra é essa de me chamar de criança? Tá pensando o quê? Tenho 16 anos, uma filha de 3, e 15 passagens pela polícia. Me respeita!

- Você só está fazendo isso porque a sociedade te rejeita porque você é afrodescendente e pela sua orientação sexual.

- Tá loca? Eu sou branco que nem a senhora. E que papo é esse de orientação sexual? Tá me estranhando?

- Você pode se autodeclarar o que quiser, e eu vou respeitar sua opção racial e sua construção de gênero.

- Tia, eu não sei o que a senhora fumou, mas seu fornecedor parece melhor que o meu. Agora me dá o relógio, as jóias...

- Você não merece ser chamado de ladrão, porque só está levando de volta o que te pertence. Tudo isso aqui é seu. Foi comprado - literalmente! - com o seu dinheiro.

- Tia, para com isso que a senhora tá me assustando. Eu podia estar no PT, podia estar de mimimi nas redes sociais, mas estou aqui roubando honestamente. Eu quero o carro para fazer outros assaltos, depois vender tudo e comprar droga. Só isso. Não bota ideologia no meio, que eu sou assaltante e traficante, mas não sou bandido.

- Não é bandido? Então fora do meu carro, agora! Eu ia chamar uma ONG, convocar uma manifestação, criar uma 'rexitegue', fazer coraçãozinho com as mãos e falar "gratidão", mas vou é acionar a polícia! E devolve minha bolsa de grife, meu cartão de crédito e meu 'aifone', seu... seu... seu capitalista, fascista, golpista!

- Tá bom, tá bom, eu levo só o carro. E não precisa cuspir, tia!

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