Todo Castigo Pra Corno é Pouco (8)

Dia desses, recebi uma reclamação quanto ao suposto conteúdo machista da seção Todo Castigo Pra Corno é Pouco, uma vez que, segundo a querelante, exclui as cornas, como se somente o homem traído sofresse.
Não conheço pessoalmente a reclamante, a queixa me chegou por terceiros, não sei se ela é corna, mas, dada a natureza da reivindicação, certamente já o foi. E não é nada disso, meninas. Julgam-me mal.
Não é que a corna não sofra. É que ela tem como dar maior vazão ao padecer que deveras sente. À mulher, é dado o direito de por tudo se sensibilizar, fragilizar-se, chorar.
Teve um dia ruim no trabalho? Pode chorar à vontade : o chefe é que é um canalha, um insensível, ou a chefa é que é uma mal comida. Se é o homem : é um frouxo. Tá na TPM? Pode chorar à vontade. O homem broxou : é um frouxo. Tá triste, liga para as amigas, desabafa, pode chorar à vontade. O homem liga choramingando para os amigos : é um frouxo, e viadinho. E a coisa por aí vai.
E o homem vai acumulando tudo, represando, coagulando as tristezas e os contratempos. Aí, quando o velho chifre aflora na testa, o dique se rompe. De uma só vez. Com estardalhaço. Um tsunami. Aí, o corno berra feito mau cabrito, chora pra cacete, bebe até o fígado jogar a toalha no ringue da desilusão, alardeia sua dor aos quatro ventos. E o melhor : faz música de corno.
Corno faz melhor música de corno do que corna, música de corna. Honrosas exceções feitas a Dolores Duran, Maysa - talvez inspiradas por um semideus metade homem, metade touro - e Ângela Rô Rô, que, essa sim, por motivos óbvios e notórios, sofre mesmo feito homem.
E tem mais, a coisa pro lado do corno só piora : quando é a corna que leva sua galhada, ela é a vítima, todos se apiedam e ficam ao lado dela : isso vai passar, foi melhor assim, você acha fácil coisa melhor, ele não te merecia etc. Até os amigos do pulador de cerca ficam do lado da corna. O Universo fica do lado da corna.
E do corno? Quem se apieda do corno? Ninguém. Nem a mãe dele (experiência própria, meninas). Pelo contrário. O corno será motivo de troças e chacotas. Ele é que não deve ter dado conta do recado, para a mulher ter lhe presenteado com um boné de viking.
Por essas e por outras, não duvidem : ninguém sofre mais que o corno macho.
Não obstante, e para dissipar qualquer dúvida quanto a um possível machismo de minha parte, colocarei hoje uma música interpretada pela Alcione, a Marrom, cantora da MPB com um vasto repertório de músicas de corna. A minha escolhida para hoje, prometo que outras a sucederão, foi Menino Sem Juízo.
Menino Sem Juízo, além de ser boa música de corna, traz um dos mais belos versos que já escutei em nosso cancioneiro : "e quanto à minha dor, não se importe, amor, já se fez minha amiga, me dói devagar..."
Pããããta que o pariu!!! Isso é bonito pra caralho!!!!
Alcione, contudo, não é compositora, é intérprete. Uma puta duma intérprete, é verdade. Alcione não escreveu um único verso de Menino Sem Juízo nem colocou único acorde, mas com sua interpretação, irretocável e definitiva, pode ser considerada uma terceira autora da canção : Menino Sem Juízo perderia totalmente o sentido se por outra (ou outro, uiiii...) interpretada. 
Menino Sem Juízo foi composta especialmente para a voz de Alcione, escrita no eu-lírico feminino. Mas por quem? Por Chico Roque e Paulinho Rezende. Dois cornos machos.
Menino Sem Juízo
(Chico Roque e Paulinho Rezende)
Sabe
Meu menino sem juízo
Eu já aprendi a te aceitar assim
Já me acostumei a perdoar você
E já nem sei porque
Seu mal faz bem prá mim
Chega, mal me beija e vai embora
Sabe Deus a hora que voce vai voltar
Juro que na volta já não me encontra mais
Mas logo volto atrás
Meu mundo é seu

E vá se procurar
Vá se desamar
Que as esquinas da vida
Te fazem voltar
E quanto à minha dor
Não se importe, amor
Já se fez minha amiga
Me dói devagar

Postar um comentário

0 Comentários