Pequeno Conto Noturno (47)

- Rubens - começa Virna -, hoje foi muito bom, não foi?!?!
- Muito - Rubens a colocar a água no fogo, passar um café.
- Pareciam os velhos tempos, 15, 16 anos atrás, não pareciam, Rubens?
- Não pareciam. Eram os velhos tempos, Virna - e Rubens põe duas colheres rasas de pó no velho e mofado coador de pano. 
- Hoje - continua Rubens -, muito mais do que nós, foram nossas memórias que se reencontraram, que saíram juntas, que encheram a cara naquele bar de rock antigos, que andaram pela madrugada e que, agora, estão aqui, para o clássico e indefectível cafezão do Rubens de todas as noites.
Rubens passa a caneca com o café recém-coado para Virna, que aspira seus vapores, de olhos fechados.
- Huuummm, o cheiro é o mesmo... - prova-o -, o gosto também... sem tirar nem pôr.
- De novo, a memória. Uma memória a tomar o café que outra memória preparou. Acho que nem uso mais a mesma marca, acho que nem a fabricam mais.
- Quer dizer que é isso que somos, Rubens, memórias boas um do outro?
- E há algo melhor que se possa ser, memórias boas para o outro?
Acabam seus cafés. Rubens os serve de nova dose.
- Rubens... se tivéssemos ficado juntos, há 15 anos, sei lá, teríamos sido felizes?
- Muito. Mais do que fui em qualquer tempo.
- E seríamos felizes até hoje?
- Provavelmente não.
- Rubens... e se resolvêssemos, agora, mandar tudo à merda e ficar juntos, seríamos felizes?
- Muito. Como há tempos não sou.
- Para sempre?
- Defina sempre.
- Sei lá, pelo resto de nossas vidas, ou da vida de um, ou da vida do outro, mais uns 20, 30 anos...
- Provavelmente não.
- Felicidade acaba, Rubens?
- Cansa.

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