Relâmpago e Viril

Algumas letras da MPB são de um esmero lírico incomparável. Afirmo que único em todo o mundo. Irreproduzível no cancioneiro popular de qualquer outro país, seja lá o idioma que fale. De um apuro poético quase que parnasiano. Hermético, muitas vezes.
Uma dessas letras é a da canção Chuvas de Verão, considerada brega, cafona, música de rádio AM, assim como seu intérprete, José Augusto. Besteira. Lirismo puro.
Quem tem, digamos, trinta anos ou mais, conhece-a com certeza. Pode até nem ter comprado o vinil, nem a gravado em fita cassete, nem ligado para a rádio e pedido sua execução, nem comprado o CD, nem tê-la em sua playlist, mas que a conhece, isso conhece.
Depois de muito tempo, ouvi-a no Boteco do Ratinho desta quarta-feira. Para quem não sabe, o Boteco do Ratinho é um quadro do Programa do Ratinho em que é montado o cenário de um bar no palco. Tem lá algumas mesas, umas cadeiras, um balcão, garçonetes a circular. Cada mesa é ocupada por um cantor, cantora, grupo musical, dupla etc, que se revezam em apresentações no palco e em conversas informais com o Ratinho. No mais das vezes, o Boteco do Ratinho nos oferece o mais do mesmo dos outros canais da TV aberta, só cantores, duplas e grupelhos da moda, ou seja, um cardápio nada variado com o lixo que sustenta o mercado fonográfico do país. Às vezes, porém, o Boteco faz edições especiais e leva o pessoal das antigas, da velha guarda de todos os estilos da MPB. Nesta quarta-feira, estavam lá José Augusto e Trio do Brasil, este último a comemorar 40 anos de carreira.
E desde quarta-feira que Chuvas de Verão ficou grudada na minha cabeça, estou ocupado em meus afazares, sem nem pensar nela e ela vem. Escrevo agora sobre ela, quem sabe, com a intenção de exorcizá-la, de deschicletá-la da mente. Abaixo, a primorosa letra, com alguns versos em negrito para posteriores comentários.
Chuvas de Verão
(José Augusto)
Veio feito nuvem numa ventania
Cheia de paixão, tarde de verão, chovia
Entrou pelos meus olhos
Sutil e tão fugaz
Fera fugitiva numa tentativa de paz

Relaxou meus nervos, sentimento alado
Senti minar na pele o transpirar de leve, pecado
Revirei teus poros, relâmpago e viril
Rajada de vento em beijos turbulentos, seduziu

Navegar teus sonhos, regar teu sentimento
Orvalho de amor, flor de pensamento
Nuvem passageira, inverno de paixão
Amor de primavera em chuvas de verão

Fera fugitiva numa tentativa de paz... pããããta que o pariu! É do caralho ou não é? É do mesmo naipe que a clássica Fera Ferida, de Roberto Carlos - tive as roupas e os sonhos rasgados na minha saída...mas saí ferido, sufocando meu gemido -, se não lhe for superior.
Senti minar na pele o transpirar de leve, pecado... Querem maneira mais educada, mais eufemista, mais delicada de dizer que tá ficando de pau duro?
E o grand finale, a pièce de résistance, a chave de ouro, a cereja do bolo : Revirei teus poros, relâmpago e viril. Pãããta que o pariu, de novo. Esse verso é de um hermetismo e de uma pluralidade de interpretações sem igual nem precedentes.
Será que o cara é o fodão, que exala testosterona e macheza por todos os poros e que, a um simples e rápido toque, deixa a mulher eletrificada, derretida, encharcada? Ou será que é o cara que, apesar de roludo, pistoludo, em riste, tem ejaculação precoce? Rápido como um raio, um The Flash de alcova?
E cabe aqui um parênteses para a pergunta : pode um pinto tamanho P ou M atingir o ponto G da mulher? Fim do parênteses.
Repito : Chuvas de Verão só é considerada brega porque foi composta e gravada por José Augusto.
Se fosse Caetano Veloso a tê-la escrito e gravado, só o verso "relâmpago e viril" renderia uma enormidade de pretensiosas e afetadas teses de mestrado e doutorado; frutificaria em um sem-número de pernósticos e pedantes cafés filosóficos, que são aquelas reuniões de viadinhos janotas, com óculos de aros grossos, perninhas cruzadas, bebendo um espresso - bebendo, não, degustando, que viadinho metido a intelectual degusta -, cofiando o cavanhaque, os que os têm, apenas segurando o queixo, quem não, semblante com ar blasé, cool, distante e absorto, nariz empinado, como quem está a cheirar um peido.
Ainda bem que foi José Augusto a compô-la e gravá-la!
Para ouvi-la, é só clicar aqui, no meu relâmpago e viril MARRETÃO.

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2 Comentários

  1. Prezado Azarão,

    Há bastante tempo que seu ótimo blog consta dos meus favoritos. Sua caneta aliada a sua coragem é da baba descer. Você escreve muito bem. A partir de hoje passei a lincá-lo no meu blog.

    Saudações blogueristas,

    Blog Chumbo Grosso - Garanhuns - PE.

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    1. Rapaz, que honra me ver listado em seu blog. Acrescentei o seu também à minha lista de blogs.
      abraço.

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