Jesus Não Vai a Aniversários de Evangélicos

Instado a esclarecer que história era aquela do tempo ser relativo, Albert Einstein, aos ouvidos comuns, às mentes triviais, deu a seguinte explicação, cheio de ironia e com bem-educado desdém : "Quando um homem senta ao lado de uma bela garota durante uma hora, parece que não durou mais que um minuto. Mas quando ele senta sobre uma grelha quente por um minuto, parece que durou mais do que qualquer hora. Isso é relatividade."
O eminente físico alemão só se utilizou da analogia da grelha quente, para ilustrar o quanto o tempo pode ser terrivelmente distendido, por uma única razão : nunca foi convidado para um aniversário de evangélicos!
Qualquer festividade ou celebração, qualquer reunião social, seja de que natureza for, é um vislumbre do purgatório, um ensaio para a danação eterna, isso não é privilégio dos evangélicos, mas festa de crente do cu quente é pior : não tem birita.
Dentro do raio de ação de qualquer aglomeração humana, e tenho certeza de que Einstein concordaria comigo, a gravidade torna mais tenazes, densos e pesados os seus tentáculos e aferra-se nos calcanhares do tempo, imobiliza-o - feito poço de piche, de areia movediça, feito chiclete e bosta de cachorro espalhados pelas calçadas do continnum espaço-tempo. Por isso, a quase totalidade das festas são regadas a álcool, com muita birita, o famoso mé. O sacrossanto álcool põe sebo nos calcanhares do tempo, torna-os escorregadios para os gravíficos tentáculos, que desliza, então, o tempo, célere mercúrio, por sobre a circunspecta e taciturna gravidade. O resultado final, o vetor resultante entre a chateação do convívio humano e a leveza dada pelo álcool, é que o tempo acaba transcorrendo em seu ritmo normal, uma coisa acaba por anular a outra e, assim, aniversários, casamentos, natais e anos-novos acabam por ser toleráveis.
Só que festa de evangélico, repito, não tem álcool. Nem álcool em gel, que daria pra gente passar numas torradinhas, nuns canapés.
Não sei de que evangelho profano, de que versículo satânico, os evangélicos tiraram isso, que festa não pode ter birita. Segundo o próprio livro de sandices que eles dizem seguir, Noé foi o inventor do vinho e Cristo transformou água em vinho, não em refrigerante, ou, castigo pior que as pragas do Egito, em suco de caju. O que sei é que festa de evangélico é pior que sentar o saco na grelha quente do Einstein.
E falo por experiência própria. Por triste empirismo.
Nos últimos tempos, devo ter entrado de gaiato em três ou quatro aniversários de evangélicos; sem contar um casamento católico sem festa, só a cerimônia na igreja, o que só foi comunicado ao fim da missa; soubesse antes, teria filado ao menos uma hóstia e dado uma talagada no vinho do padre.
Não que algum evangélico faça parte de minhas relações mais estreitas, não que algum evangélico me convide para uma reunião dos seus, ou que eu, ainda que convidado fosse, compareceria ao evento. Não por vontade própria. Não por meus próprios pés.
Estas barcas furadas são cortesias de minha esposa, que convive com alguns evangélicos em seu ambiente profissional e é mais observante que eu -muuiiito mais observante - dos preceitos de civilidade cotidianos guardados entre colegas de trabalho, ou seja, ela dá bom-dia quando chega, boa-noite quando vai embora, divide a mesa do almoço, pergunta pela melhora de algum parente enfermo etc, formalidades das quais eu já me desvencilhei desde a mais tenra idade.
Vai daí que, volta e meia, como recompensa pela sua boa educação, ela é convidada para uma dessas festas de camelo, em que ninguém bebe nada. O que prova, cabalmente, que nenhuma boa ação passa impune.
É um perigo, mesmo que em nome das bons modos e maneiras, fingir que gostamos e/ou que nos importamos com as pessoas. Elas acreditam. E aí você está fudido. As pessoas acham linda e maravilhosa a máxima de Saint-Exupéry : "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". Emocionam-se às lágrimas. Consideram-na magistral. Magistral é o cacete! É uma maldição, isso sim. Primeiro que cativo é preso, encarcerado, forçado à escravidão; e segundo que quem cativou é que se torna cativo, adquire responsabilidade para com, fica atado à sua presa. Tô fora dessa coisa de cativar as pessoas.
O que sei é que, há uns 15 dias, eu estava prestes a entrar em outra dessa arapuca, todo tranquilo e inocente, achando que iria comer uns quitutes e tomar uns més na faixa : minha esposa, sabe-se lá por quê, não me avisara da natureza eclesiástica do aniversário; esquecimento, perversidade conjungal, vai saber.
Entramos no recinto. Ela a procurar com os olhos pela mãe do aniversariante e por outras colegas do trabalho que também se fariam presentes; meu filho, a procurar pela área dos brinquedos; e eu a procurar por minha única conhecida nessas festas em que vou a reboque, meio que clandestino, a cerveja.
Realizei rápida, porém, não ineficaz, varredura pelas mesas já ocupadas e nada da cerveja. Só água, coca-cola e suco de caju. Mirei meu scanner para as bandejas dos garçons e nada da loura gelada, só água, coca-cola e suco de caju. Nem precisava perguntar : eu estava, de novo, em um culto com bolo e velinhas. E, lógico (se bem que tá mais pra ilógico), Parabéns a Você com "derrama, senhor, derrama, senhor, derrama sobre ele o seu amor" no final.
Como não tenho mesmo assunto com ninguém - e sem cerveja, a coisa só piora -, fiquei a cuidar de meu filho nos brinquedos. E a olhar para aquele povo todo, na maior alegria, inebriados como se em leve torpor alcoólico. Não havia dúvidas : alguém estava a esconder o ouro, devia ter cerveja malocada em algum lugar.
Passei a observar melhor, a seguir discretamente alguns garçons, ver se eles tiravam algo de baixo do balcão, se, subrepticiamente, batizavam o refrigerante deste ou daquele convidado. E nada. Todo mundo ali estava a seco. Na maior sobriedade possível. Um puta porre!
De onde, então, aquele enlevo todo, aquele alegre entorpecimento? Caiu-me a ficha!
Goste eu ou não, queira admitir ou não, todo aquele êxtase com ares de embriaguez tinha uma única origem : Cristo. Jesus Cristo. O barato daquele povo era Jesus. Ter encontrado Jesus, sentir Jesus dentro de si e louvá-lo em irmandade é o que deixava aquele povo todo doidão. Aquele povo trazia Jesus dentro de si. Lidar com um tumor seria muito mais fácil.
Sem mais o quê, resolvi aderir ao velho ditado : "Em Roma, como os romanos".
Crucificar Jesus? Quem me dera, quem me dera... Mas não. Nesse caso, não. Nesse caso, precisamente o oposto : procurar Jesus, encontrar Jesus, deixá-lo entrar na minha vida, recebê-lo de braços abertos, em toda sua bondade e plenitude. Eu também queria ficar bêbado. Na falta da cerveja, Jesus.
Comecei a procurar pelo Nazareno como, momentos antes, procurara pela cerveja. Olhei pelo salão, para o convidado de cada mesa, para o rosto de cada garçon, olhei dentro da cozinha, na área dos brinquedo, até dentro do banheiro fui buscar Jesus. Nada. Pelo visto, e eu não lhe culpo, Jesus não vai a aniversários de evangélicos. Desisti da busca pelo filho do senhor.
Quando me viu de volta à mesa, estranhando minha ausência, mais longa que as habituais, minha esposa perguntou pelo meu paradeiro. Respondi-lhe que estive a procurar por Jesus. Ela riu, sabia que vinha merda, mas resolveu entrar no jogo, perguntou-me, para quê?
- Para ver se ele transformava uma jarra dessa água em vinho para mim, ou a coca-cola em cuba libre, ou o suco de caju em... o suco de caju não tem jeito, nada salva o suco de caju, nem Jesus, nem Jesus Salva. - respondi-lhe.
E nem a minha noite. Nada salvaria a minha noite.
Onde está Jesus, quando mais precisamos dele?

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4 Comentários

  1. O que mais me admira nos ateus não é a falta de honestidade mas a falta de nobreza.E homem sem
    nobreza é o humano que ainda esta no macaco.

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  2. O que mais me admira nos ateus,não é a falta de honestidade,mas a falta de nobreza.Sinal que ainda esta emperrado no macaco.

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    1. Rapaz, você leva toda a pinta de ser evangélico, feito o dono do aniversário acima, que não compra bebida pras festas que banca usando Jesus como desculpa para a pão durice, mas que nas festas dos outros se mostra muito chegado numa birita.
      Quem me dera estarmos ainda emperrado no macaco. Os macacos são muito mais evoluídos que nós. Não estupram, não assassinam, não promovem guerras em nome de deus. São muito mais honestos e decentes os macacos e, sobretudo, vivem muito bem sem o seu deus de araque, de mentirinha, seu deus genocida e vingativo. O que emperra a evolução do homem como ser racional e, quiçá mais pacífico, é justamente a religião. Ela reduz o homem a gado de rebanho, ou a ovelha, como vocês todos gostam de dizer.
      obrigado pelo comentário.

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  3. Digo que, de longe, é um dos melhores textos de deboche religioso aqui do Marreta. Agora, o comentário do "juraci", também foi engraçado.

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