Testemunhas de Jedi

No último censo demográfico realizado na Inglaterra, 175 mil súditos da Rainha, respondendo ao quesito religião, declararam que são...cavaleiros de Jedi.
Sim, 175 mil britânicos se consideram - se sentem - pertencentes à ordem dos cavaleiros espaciais criada por George Lucas em sua série de filmes Star Wars, e cujo nome, Jedi, revelou o próprio Lucas, foi inspirado em "jidaigek", um gênero japonês de cinema e teatro que retrata samurais do período Edo, do Japão Feudal.
Tal número de adeptos, 175 mil, torna os cavaleiros de Jedi a sétima denominação religiosa da Inglaterra. Eles estão presentes em quantidades significativas também na Austrália (65 mil), na República Tcheca (15 mil) e no Canadá (9 mil).
Absurdo? Depende. À luz de uma análise, digamos, mais cartesiana, sim, absurdo puro e genuíno. Porém, dentro da "lógica" da crença no divino e do culto às religiões, não, absolutamente, não; pelo contrário, é da mais perfeita e simétrica coerência.
Deus não existe! Logo, qualquer coisa pode ser alçada à condição de e, objetivo maior, tornar-se em objeto de adoração e de renda.
Qualquer coisa pode ser deusificada, desde fenômenos climáticos - ventos, relâmpagos, a "fúria" dos vulcões etc -, passando por pedras e monolitos sagrados, até animais como o bíblico bezerro de ouro; a história está cheia desses tristes exemplos da irracionalidade, da fraqueza e da imaturidade humana.
Atualmente, o exemplo mais didático que me ocorre é o da Índia, um dos lugares do mundo que faço questão de não conhecer antes de morrer. Lá, elefante é deus, rato é deus, macaco, rato, vaca, irmãos siameses, hermafroditas etc.
Por que não, então, uma religião de culto à Força, os cavaleiros de Jedi?
Para quem nada sabe dos Jedis, um resumo : a doutrina Jedi acredita que todos os seres vivos compartilhem de uma mesma energia cósmica, que os une entre si e também ao Universo, a Força. Os cavaleiros Jedi desenvolvem o domínio da Força e se tornam capazes de canalizá-la para exercer influência sobre pessoas, animais e objetos, com o objetivo de promover e preservar a paz da República Galáctica Interplanetária, da qual sãos guardiões, sempre a portar seus indefectíveis sabres de luz. 
Afirmam que há registros da "Força" em fenômenos físicos e até nas escrituras de livros sagrados como a Bíblia : "Quando Moisés abriu o Mar Vermelho, fez uso da Força", garante um dos cavaleiros Jedi. A igreja Jedi não possui templos físicos, os devotos se reúnem pela internet; pautam-se por um código de conduta, mas não seguem nenhum livro sagrado. E, ao contrário do que possamos pensar, garantem que não rezam para Yoda, o mestre Jedi supremo.
Loucura? De novo, depende. Isso de loucura, ou de sanidade, é muito relativo. Relativemos, pois. Comparemos a história dos Jedis com uma outra, bem mais conhecida nossa, vejamos a história do Cristo :
um salvador concebido por uma mãe virgem, fecundada por obra e graça de um tal Espírito Santo cuja vinda foi anunciada por um Anjo do Senhor, portador de uma espada flamejante. E o Filho, na verdade, não é Filho, é o Pai, é próprio Deus tornado em homem pela essência do Espírito Santo, que também é o próprio Deus, declarado uno e que também é trino, e que no fim, para redimir a humanidade de seus pecados, mandou o Filho para a cruz, ou seja, a ele mesmo, declarou a própria execução. Para que depois o Filho ressuscitasse, ascendesse aos céus e ocupasse o seu lugar à direita do trono do Pai, isto é, sentasse-se ao lado dele próprio.
Entre os animais, o único caso conhecido de partenogênese - o desenvolvimento do embrião sem que haja fecundação - ocorre entre as abelhas, em que os óvulos não fecundados se desenvolvem e originam os machos da espécie, o zangão. Cristo seria, então, uma espécie de zangão cósmico, um deus-zangão redentor de nossos pecados.
Imagine agora que você estivesse ouvindo as duas histórias pela primeira vez, a da Força, que a todos conecta ao Cosmos, e a do deus-zangão, que a todos nos livrou dos pecados. Qual delas lhe pareceria mais fantasiosa, mais absurda?
Acontece que uma delas, a primeira, chegou-nos quando já tínhamos uma certa idade e, principalmente, nos foi narrada como o que verdadeiramente é, uma ficção, uma fantasia; a segunda, a do deus-zangão, nos foi impingida desde o berço, como fosse uma verdade inquestionável, e se repetido à exaustão, o absurdo adquire ares de possível, ou, pelo menos, a estranheza em relação a ele é perdida, se dilui, volatiza.
Se ao invés da Bíblia, as pessoas tivessem sido criadas, educadas, doutrinadas através da trilogia Star Wars, não tenham dúvidas, elas sentiriam a Força da mesma forma com que sentem a presença de Deus; acreditem, elas rezariam para o Mestre Yoda, ou para Luke Skywalker, com o mesmo fervor com que se ajoelham e rezam para Cristo. Darth Vader seria Lúcifer e George Lucas, o Papa, infalível em suas decisões e pronunciamentos.
Se tivessem sido evangelizadas pela trilogia Star Wars, as pessoas, em lugar de crucifixos pendurados ao pescoço, exibiriam miniaturas dos sabres de luz Jedi. Pãããããta que o pariu!!! Isso é o que eu chamo de ficar entre a cruz e a espada.
Se bem que nem tanto assim. Se eu tivesse de optar entre a cruz (do Cristo) e a espada (de Jedi), minha escolha seria fácil. Sob certas condições, lógico.
Se em meu batismo, eu recebesse um autêntico sabre de luz Jedi e pudesse dar uma metida numa gostosa amazona Jedi vestida de Princesa Leia, eu me converteria à Força. Na hora. Imediatamente.
Não pagaria dízimo, mas me converteria. Seria um cavaleiro Jedi não praticante.
Eu torço pela extinção total das religiões, mas o que vem ocorrendo é, ao contrário, uma profusão desmedida delas - os que se dizem cavaleiros Jedis não estão de brincadeira nem de sarcasmo, eles consideram mesmo a sua crença na Força como uma religião. E se algo de bom pode ser tirado disso, dessa profusão descontrolada, é que as incipientes religiões mostram, a quem estiver disposto a ver, o quão inconsistentes e ridículas são, também, todas as antigas e já consagradas religiões.
Duas amazonas Jedi em trajes típicos de Princesa Leia, prestes a entrarem em comunhão espiritual com a Força. Compensa ou não compensa dar uma espadada?

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