Retrato em Branco e Preto ou em Preto e Branco?

Tom Jobim foi um dos maiores gênios da música brasileira, da mundial, até. E sempre se fez acompanhar de outros grandes gênios, da música e da poesia, Vinícius de Moraes, Baden Powell, Bily Blanco, Dolores Duran e, logicamente, Chico Buarque.
Reza a lenda que Tom implicava com todos os seus parceiros. Mesmo quando a letra da canção ficava a cargo do outro, e mesmo esse outro sendo um Vinícius de Moraes, ele dava palpites o tempo todo, sugerindo mudanças em trechos que não lhe agradavam, ou que lhe pareciam, de algum forma, não consoantes à sua música.
Sua parceria com Chico Buarque não foi diferente. A inigualável canção Retrato em Branco e Preto foi a primeira parceria entre Tom e Chico. Tom implicou com Chico nos seguintes versos : "...vou colecionar mais um soneto, outro retrato em branco e preto a machucar meu coração..."
Tom disse a Chico que ninguém falava retrato em branco e preto, e sim retrato em preto e branco. Chico, que adotara a forma branco e preto em evidente rima a soneto, saiu-se muito bem da implicância do maestro soberano, e argumentou : Tudo bem, Tom, então vai ficar assim : ...vou colecionar mais um tamanco, outro retrato em preto e branco...
Tom capitulou, e concordou que a forma branco e preto era mesmo a mais adequada, e aprendeu, com Chico, que o absurdo, muitas vezes, é o melhor e mais irrefutável dos argumentos. Retrato em Branco e Preto foi gravada por Chico Buarque, em 1968, como uma das faixas de seu terceiro LP, Chico Buarque de Hollanda Vol. 3.
Eu tenho esse disco. Encontrei-o numa velha estante da avó de uma antiga namorada, peguei emprestado e nunca mais o devolvi, óbvio. O disco permanece comigo até hoje e é o objeto mais antigo que possuo, apenas um ano mais novo que eu, porém, incrivelmente mais bem conservado.
O namoro acabou há tempos, ainda no século passado, e mal me lembro dos motivos que levaram ao seu término, tampouco das palavras ditas quando de seu ponto final. Só lembro que, à saída desse relacionamento, que findou com um fragoroso pé na bunda (na minha), eu, impávido e categórico, disse : mas fico com o disco do Chico, sim. O resto é seu.
Não bastasse, o Chico vol. 3 ainda traz Ela Desatinou, Roda Viva e Funeral de um Lavrador.
Abaixo, a letra de Retrato em Branco e Preto; se nunca a ouviram, a escutem, urgentemente.
Retrato em Branco e Preto
(Tom Jobim/Chico Buarque)
Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cor
Já conheço as pedras do caminho,
E sei também que ali sozinho,
Eu vou ficar tanto pior
E o que é que eu posso contra o encanto,
Desse amor que eu nego tanto
Evito tanto e que, no entanto,
Volta sempre a enfeitiçar
Com seus mesmos tristes, velhos fatos,
Que num álbum de retratos
Eu teimo em colecionar.

Lá vou eu de novo como um tolo,
Procurar o desconsolo,
Que cansei de conhecer
Novos dias tristes, noites claras,
Versos, cartas, minha cara
Ainda volto a lhe escrever
Pra lhe dizer que isso é pecado,
Eu trago o peito tão marcado
De lembranças do passado e você sabe a razão
Vou colecionar mais um soneto,
Outro retrato em branco e preto
A maltratar meu coração

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1 Comentários

  1. Putz, esse não tenho em vinil, já catei muito por aqui mas nunca tive a sorte, mas tenho o CD. Discaço do caralho.

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