Os Libertos Do Viaduto

Todas as manhãs, eu passo por sob um viaduto cujo "teto" serve de local de dormida para umas tantas pessoas. Acostumado que já estou, nenhuma reação mais me causam. Aos que passam por ali não tão amiúde, elas não são indiferentes. Olham a essas pessoas dormindo sob o concreto com pena, com medo, com nojo, indignação e até repulsa, alguns, como se elas estivessem ali a sujar e atravancar o caminho por onde passam.
Acredito que, independente da reação gerada em cada um, todo o passante deve pensar em como aquelas pessoas conseguem viver daquela maneira. Sem casa, sem segurança, sem eletricidade, sem água encanada, sem geladeira, fogão e etc.
Mas não creio que esses moradores de rua, pelo menos a maioria, estejam interessados em uma casa com todo o conforto moderno. Muito menos em todas as obrigações e responsabilidades para manter tal conforto. De mais a mais, eles têm lá seus papelões, suas espumas, seus cobertores sapeca-negrinho, suas pingas. E de mais, não precisam.
Não sei se eles sentem falta de um banho quente ou de roupas de cama limpa. Mas, certamente, não sentem falta de pagar aluguel, condomínio, conta de água, conta de luz, IPTU, declarar imposto de renda, cumprir horários, ter patrão, ter hora pra dormir, pra acordar, pra beber, pra cagar, pra trepar, em renovar CPF, em atualizar título de eleitor, em enfrentar filas de banco, supermercados, em cumprir convenções sociais, em demonstrar pudores.
Tenho certeza de que não sentem falta de não serem livres. Essas pessoas são as únicas verdadeiramente livres, como são os outros bichos além do bicho humano, e por isso causam em quem as vê um misto de sensações contraditórias.
Elas não chocam por sua sujeira, mau-cheiro e feiura, que todos estamos acostumados a isso. Elas escandalizam por sua total e plena liberdade.
Não estamos acostumados a ser confrontados com tanta liberdade, uma liberdade que, para nós, chega a ser imoral. Ressentimo-nos da liberdade dessas pessoas, por isso a depreciamos.
Ofende-nos tanta liberdade assim, crua, rude, primal, não depilada, cheirando a humano, de pernas arreganhadas. Esfregada em nossas ventas.

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