Falta de Ar

Ao escrever - alguém já disse -, o escritor está, na verdade, reescrevendo-se. Não concordo.
Não há como nem razão para nos reescrevermos, para nos passarmos a limpo. Somos rascunhos incorrigíveis, somos um aglomerado de rasuras que ganhou vida um dia, subitamente. Passarmo-nos a limpo seria entrar voluntariamente numa câmara de desintegração e deixar a sogra a tomar conta do botão de acionamento.
Também não concordo que a escrita sirva para autoconhecimento de quem a grafa, que seja uma lanterna a guiar por uma redentora rota de fuga das profundezas, até porque quem escreve alguma coisa que preste quer mais é continuar nas profundezas, não quer muita coisa com a superfície e suas superficialidades.
Antes pelo contrário: escrevo para poder continuar nas profundezas, escrevo para conseguir reabastecer meus cilindros de oxigênio, para não ter de pôr o nariz à tona. Cada vez que escrevo algo de que gosto, respiro mais anchamente, inspiro, perdulário, o oxigênio, sinto meus cilindros se intumescerem de atmosfera alpina.
É isso, a propósito, o que estou tentando obter agora, um novo suprimento de ar, pois acabei de olhar para o manômetro de meus cilindros e seu ponteiro já está se engraçando com a faixa vermelha do mostrador, arauta do pouco ar.
Mas, hoje, não sei, não...
Acho que terei de dar as fuças à luz. Para um breve respiro de cachalote.

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