A Velha Parteira

A ideias continuam a me vir,
A me incomodar,
Vibrações de origem indeterminada na parede do prédio
Que me acordam de madrugada
(a bomba da caixa d´água, o ar-condicionado do vizinho, um abalo sísmico?),
Moscas da sopa do Raul,
Daquelas que não adianta nem se dedetizar,
Pois se matamos uma,
Outras vêm em seu lugar.
As ideias continuam a estuporar
A vir a furo,
Furúnculos sebosos,
Cogumelos no esterco,
Miomas,
Embriões bastardos,
Parasitas sanguessugas
Na chocadeira do meu cérebro :
Prenhe de ideias chocas, o meu cérebro.
Mas se a cabeça é o útero das ideias,
A mão é que é a parteira
(as ideias precisam de cesariana, fórceps e de muita benzeção com arruda para saírem ao branco do papel).
E a minha, há tempos, se mostra enfastiada
(de calos cansados e articulações tortas e nodosas)
Em bater na bunda
E fazer chorar ao mundo novas ideias,
Desinteressada em curar novos umbigos.
A velha parteira perdeu o gosto e a fé.
A "madama" só quer se sentar à sua varanda e ao sol,
Pitar seu cigarrinho de palha
E tomar sua pinguinha de alambique.
(ideias - mais ideias -, para quê? As natimortemos.)

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5 Comentários

  1. Esse texto é bem a cara da preguiça de certas coisas, das muidezas do cotidiano. As pessoas sempre me perguntam sobre como se dá a criação de um texto, eu digo que é a todo momento, se vai ou não pro papel depende da disposição de lápis e do poeta. E ao contrário do que eu sempre penso quando acaba nunca termina. Muito bom.
    "J"

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  2. Tá entediado, professor?
    Não vai viajar nessas férias?
    Escreva-nos sobre os vinhos, quais os indicados para esses dias frios, mas nada de chapinha e sangue de boi

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    Respostas
    1. Esses não, falo dos chilenos, dos argentinos, dos franceses, etc
      Mostre-nos o seu conhecimento, que é um grande sommelier

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