Mijando no Pé

Envelhecer é fazer hora extra sem ter nenhuma tarefa a cumprir. É ter um tempo de vida além do projetado inicialmente pela Biologia. Alguém, por acaso, já viu um ancião chimpanzé, ou um vetusto leão, golfinho ou ornitorrinco?
Nasceu, cresceu e meteu, já era, já desocupa lugar para o próximo. Que a fila da Natureza anda, não para. E não há filas preferenciais para idosos. Não há terceira idade para os outros animais. Sorte deles. Não precisam ficar fazendo ginástica nas praças, acordando às quatro da matina pra lavar calçada, indo ao dentista pra ajustar a "perereca", não têm que viajar de excursão para Caldas Novas nem para Aparecida do Norte, não têm que ir dançar nos bailes da velha guarda (será que a velha ainda guarda?) e, principalmente, não têm que ir ao médico levar dedada no cu.
Envelhecer é ter ganho um bônus no videogame da vida, mas, ao mesmo tempo, dadas as limitações do maquinário - a montadora da Natureza não faz revisão a cada 30, 40 ou 50 anos, muito menos nos chama para um recall -, não ter muito o que fazer com esse adicional.
E se o velho não pode mais andar, correr, encarar uma briga, sair pra tomar um porre, conquistar novas bucetinhas, com o que ele preenche o tempo, com o que ele se ocupa para não ficar louco, enquanto espera a morte chegar sentado no trono de um apartamento? Ficando louco!
Tricotando neuroses. A neurose é um tipo de terapia ocupacional para matar o tempo que já devia ter nos matado. Tecendo manias. As manias são os pulôveres com os quais o velho se aquece contra o frio da obsolescência, são aquelas capas plásticas com as quais se cobrem os velhos liquidificadores e batedeiras.
Envelhecer é acumular manias. Gavetas e mais gavetas delas. Todas protegidas por bolinhas de naftalina. 
Nós, velhos, vamos nos tornando um museu de manias, colecionadores compulsivos delas, em substituição ao que a idade não mais nos permite. Exibimo-as alfinetadas e etiquetadas em molduras nas paredes enrugadas de nossas salas, feito raras e exóticas borboletas azuis.
Perdemos, nós, os velhos, força física, capacidade e destreza motora, virilidade (mas o desejo continua a nos assombrar, fazendo-se em espectros horripilantes nas nossas janelas em noites de lua cheia e em cabides caindo dentro de nossos guarda-roupas), demoramos mais para sarar de uma bebedeira, de uma gripe, nossa voz perde potência e inflexão, nossa opinião passa a ser ignorada (ou, pior, a ser tomada como uma excentricidade de velho), vamos nos tornando invisíveis - o que acho até bom, mas devo confessar que, vez em quando, sinto falta de uma gostosa me encarando, medindo-me de cima a baixo, nem que fosse para, ao fim do escrutínio, concluir : de jeito nenhum, jamais, nem bêbada. Não ficamos mais sábios, só não temos mais forças para cometer nossas burrices e cagadas.
Cercarmo-nos de manias, queixumes e ranzinzices, é uma maneira de dizermos que estamos vivos, de marcarmos nosso território, nossa cova em palmas medida, a conta maior que tivemos em vida, a parte que nos cabe desse latifúndio.
As manias são o jeito do velho mijar num poste, numa árvore, e dizer : - esse pedaço tem dono, essa mínima gleba de sossego é minha, daqui ninguém passa.
Mas qual o quê... Quem diz que o velho consegue levantar alto a perna para mijar no poste? Acabamos, quase sempre, mijando no pé.
Pããããããããta que o pariu!!!

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3 Comentários

  1. Fábulas da vida real e cada vez me convenço que a velhice em tudo lembra a infância. Se caso fosse jurídico acho que chamaria seu texto de alegações finais.
    "J"

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  2. "Não ficamos mais sábios, só não temos mais forças para cometer nossas burrices e cagadas", gostei da frase, tem velho que negue, mas é só excentricidade de velho...
    Brincadeira a parte, o velho tem uma função: mostrar para o jovem, que ele também ficará velho.

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