Pinto Brochado

Quem passa por aqui de vez em quando sabe que sou professor, que leciono para o ensino médio e blá-blá-blá. A lista com os resultados do Enem de 2014 foi publicada nesta semana e lá fui eu ver a colocação alcançada pela escola em que leciono - baixei-a na forma de uma planilha de excel, o que simplifica em muito a busca. Do total de 15.640 escolas avaliadas pelo exame, ela ocupa a 7527ª posição. Meio que no meio do ranking. Atingiu a média geral de 507,77 pontos num total de 1.000 possíveis. De novo, meio que no meio. E restringindo cada vez mais o universo de comparação, para que posições relativas (e reconfortantes para o conformismo e para a preguiça) sejam calgadas, ela ficou em 6º lugar entre as escolas públicas estaduais da cidade; fomos terceiro lugar há dois anos e quarto no ano passado.
Mesmo frente ao declínio, tendo em vista de se tratar de uma escola pública de um estado, São Paulo, cuja principal diretriz pedagógica é a promoção automática do aluno - seja ele um gênio ou um semianalfabeto -, o resultado foi considerado satisfatório pelos professores, coordenadores etc. Tendo em vista de se tratar de uma escola que, embora pública, atende a uma clientela de classe média, que come três vezes por dia, que tem sua casa digna para morar, que tem todos os dentes na boca, que é corada e bem nutrida, que tem seus tênis caros pra caralho e seus inúteis celulares de último tipo etc, eu considero que o resultado poderia ter sido bem melhor. Mas, enfim, nem é essa a questão ou o motivo desta postagem.
Acontece que eu tenho sérios problemas com rankings, as listas de classificação. Não me basta saber em que colocação está minha escola, ou a minha cidade, ou minha classificação num concurso, ou, se eu torcesse para algum, a colocação do meu time no campeonato. Quero - tenho - que saber também dos outros listados. Acho que sou uma espécie de mexeriqueiro estatístico.
Claro que não olhei cada uma das quinze mil e tantas escolas, aí já seria compulsão das brabas. Mas fui brincando com a lista na tela do computador, fui rolando-a, para cima e para baixo, aleatoriamente, uma espécie de roleta-russa de nossa miséria educacional, e lendo os resultados das escolas em que parava.
Quando, na posição de número 8.530 do ranking, sediada na cidade mineira de Unaí, surge à minha frente a E.E. Domingos Pinto Brochado. Pãããããta que o pariu! Pinto brochado! Tão de sacanagem! Pelo menos, os pais que batizaram seu rebento com a fatídica combinação de sobrenomes. Qual dos sobrenomes será o advindo da mãe? Ou o pequeno Domingos herdou o pinto brochado exclusivamente do pai, que herdou do avô, do bisavô etc? É de surpreender que os pinto brochados tenha gerado descendência.
Em idade escolar, um nome deste foi uma irremovível folha de caderno afixada às costas do menino Domingos, daquelas em que se escrevem, me chutem, passem a mão na minha bunda etc. Tá vendo só, caro Jotabê? E você se queixando do seu Botelho Pinto.
Não sei qual foi a contribuição de Domingos para seu município nem de que área ele foi emérito representante para receber a comenda de ter seu nome a estampar um estabelecimento educacional. Talvez um político, um prefeito que muito tenha trabalhado e feito pelos concidadãos, ou um médico que dedicara seus dons de esculápio aos desvalidos, ou ainda um valoroso professor.
Se for o último caso, espero que ele tenha exercido o outrora nobre ofício em priscas eras, décadas de 50, 60, no máximo 70. Hoje, um professor Pinto Brochado não aguentaria uma semana em sala de aula, com duas, ficaria louco, com três, seria afastado por depressão e síndrome do pânico, ao fim do mês, pediria exoneração.
E para o alunos da escola Pinto Brochado, então, principalmente para os meninos? Imaginem o menino, em plena adolescência, fase da afirmação de sua masculinidade (ou não), indo de casa para a escola, ou voltando da escola para casa, andando pelas ruas de Unaí a envergar orgulhoso o uniforme de sua escola, a camiseta geralmente branca com o brasão da instituição (nem quero pensar no que há desenhado no brasão) e, em letras garrafais, possivelmente azuis, escrito : Pinto Brochado. Pããããta que o pariu!!! Não há autoestima que resista! Não há psicólogo que dê conserto ao menino! Não há livro de autoajuda que o socorra.
Sou pelo tradicional. Sou a favor do uniforme obrigatório, e dos completos, sapatos, meias, calças e camisa. Sou a favor das salas serem organizadas em filas no pátio e cantarem o Hino Nacional ao início de cada dia letivo. Sou a favor do aluno ficar em pé à entrada do professor em sala de aula. Sou a favor até que lhe batam continência. Nesse caso, contudo, meu apreço pela disciplina vai para as picas. Eu não só apoiaria como também organizaria um motim contra o uso do uniforme. Consegue se imaginar a andar por aí com um Pinto Brochado estampado no peito?
Tendo isso em vista, até que a Pinto Brochado não está tão lá embaixo no ranking, não está tão "caida" assim.
Alíás, essa coisa de nomes constrangedores me lembrou de uma estória. O cara se chamava Francisco Bosta e, obviamente, não via a hora de atingir a maioridade e mudar o nome. Vinte e um anos completados, o cara correu a um cartório e foi informado de que a mudança era possível, sim. Mas havia, claro, um longo trâmite a ser seguido (e, claro, várias taxar a se pagar, que é apenas a isso que se presta a burocracia). Ele tinha que preencher um requerimento, protocolar, reconhecer firma etc etc etc e trazer duas testemunhas, convivas seus de longa data, que atestassem situações constrangedoras por ele sofridas. Porém, assim que ele preencheu o primeiro campo do requerimento, o do nome atual, o tabelião imediatamente o interrompeu. Em vista daquele Francisco Bosta, o tabelião lhe disse que, nesse caso, iria dispensar Francisco Bosta dos morosos caminhos legais, pois a necessidade, mais que isso, a urgência da mudança era inequívoca. O tabelião abriu uma gaveta à altura de seu peito e retirou o formulário final da mudança de nome, para lavrar e oficializar a nova identidade de Francisco Bosta.
- Pois não, seo Francisco Bosta, como o senhor quer passar a se chamar e a ser chamado a partir de agora? - perguntou o tabelião. 
- Pedro Bosta!

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7 Comentários

  1. Veja você, meu caro Marreta, a vida é mesmo muito estranha. Embora eu deva esclarecer que só entendo de botelho, não de pinto, conheço alguns casos meio constrangedores nessa área tão urológica. Tive um colega que trabalhava no norte do país quando sua primeira filha nasceu, A esposa era Melo e ele Pinto... O sogro, em sua ausência, registrou a menina: "Fulana de tal Melo Pinto..." Ao saber disso, meu colega reclamou com o sogro, que respondeu em sua inocência: "você não gostou do nome "Fulana de Tal"?
    Quando passei no vestibular, o diretor da escola chamava-se apropriadamente (estávamos em pleno governo Médici) Cássio (...) Pinto.
    No duro, no duro (epa!), eu acho que os Pintos deveriam ser unificados. Brochado, por exemplo, é inaceitável. Modestamente, com a melhor das intenções, proponho: Botelho Pinto em todo mundo!

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  2. Ai, ai, e aquela velha ladainha de que a escola foi bem. A mesma coisa de sempre, ainda bem que trabalhando por um tempo lá deu para perceber o conformismo absoluto de ambas as partes, professores e alunos-zumbis.
    De ranking em ranking que se arranquem os cabelos!!!
    Mas tudo tem seu lado bom, e pessoas boas.
    De passagem, um salve para o Odair e seu Renato.

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    1. quem é você? pode se identificar que eu não publico o comentário.
      E sim, vivas para o Odair e o seu Renato.

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  3. Gianndre Roberto!
    Pode publicar, é que dificilmente me encontro logado no blogger.
    Abraços! Logo mais passo lá no seu trabalho para tomar um café, coisa que sei fazer bem.

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    1. Passe para um café sim. Mas infelizmente não encontrará por lá nem mais o Odair, finalmente saiu a aposentadoria dele, nem o seu Renato, que foi removido para outra escola.

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