Pequeno Conto Noturno (54)

- Sou bem mais velha que você - diz Cinthia a Rubens, dando-lhe, talvez, uma última chance de fuga e desistência, ou, talvez, a querer um pouco de confete de seus velhos carnavais, uma confirmação, sincera ou não, tanto lhe faz, do desejo de Rubens por ela, e não apenas por uma foda qualquer num fim de noite pouco proveitoso.
- Bem mais velha é melhor que mal mais velha - devolve Rubens, laconicamente, deixando Cinthia livre para pensar o que melhor lhe aprazer.
Cinthia sorri. Rubens se sente incomodado com sorrisos. Todos e de qualquer espécie ou natureza : cândidos, ingênuos, irônicos, mal-intencionados, nervosos ou lascivos. Rubens obstrui, eclipsa, cancela o sorriso de Cinthia com sua boca. Cola os lábios ao dela; sem aviso, ainda que aguardado, ansiado. Feito uma sonda de endoscopia, a língua de Rubens vasculha, brinca, faz travessuras, devassa e viola a boca de Cinthia. Sente a protuberância e o túrgido volume sem vida e seco dos lábios dela, injetados de gordura e botox. Tateia e mapeia o relevo liso, porcelânico e de uma uniformidade inexistente na natureza dos dentes de Cinthia, sua terceira dentição.
Todo o viço em Cinthia é falso, todo brilho é cirúrgico, implantado, opaco e emaciado; toda tentativa de juventude é uma caricatura. Mas o desejo de se manter jovem é legítimo, é jovem, inconsequente. E Rubens respeita as boas intenções. O inferno que as puna, depois.
Rubens levanta a blusa de Cinthia e mama as tetas achatadas e espalhadas dela. Com forte sucção, consegue sugá-las, ora uma ora outra, acomodá-las e lhes dar forma, volume e consistência dentro de sua boca. Desce, escorrega a língua feito lesma a deixar mucoso rastro pelo ventre amarrotado e amarfanhado dela e mete a boca em Cinthia.
Cheiro e gosto de casa há muito fechada, de quarto de doente, de abandono. Rubens gosta. Combina com ele. A buceta de Cinthia relaxa, molha-se, não um caudaloso lençol freático, mais uma parede com musgo e infiltração, mas se molha, engole a boca, o queixo e o nariz de Rubens. Tranquilidade de gavetas que conservam em naftalina velhos diários, amores não correspondidos, cartas e cartões-postais. Aconchego, esconderijo e proteção de sótão escuro, úmido : uterino. Banho de imersão em águas tépidas de esquecidos álbuns de fotografias em color sépia e de rústica granulação : acalantos, cantigas de ninar, mingaus de maizena para olhos saturados de pixels, photoshops e altas definições.
Rubens consegue uma ereção daquelas. Das antigas.

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