Eu Também Vou Querer Minha Carteirinha de Índio

Quando de minha adolescência, uma carteirinha de estudante com data de nascimento adulterada era dos objetos mais cobiçados por nós. Na época, a censura etária aos filmes exibidos nos cinemas era levada a sério, a ferro e fogo. Se o filme fosse classificado, por exemplo, para maiores de 14 anos anos, não adiantava você ter 13 anos e 11 meses, não entrava e pronto.
A carteirinha falsificada era um objeto quase mítico. Nunca tive uma, nem nunca conheci alguém que a possuísse. Era sempre um primo de alguém que tinha, ou um amigo do amigo de outra cidade. A carteirinha falsificada era uma lenda urbana da época. 
Nos recreios das escolas, circulavam maneiras e receitas de fazer a sua própria a partir da original, substâncias químicas milagrosas que apagariam a data a ser modificada sem deixar nenhuma marca ou rasura, o tipo correto de máquina de escrever para preencher a data falsa etc.
O fato é que o afortunado possuidor da carteirinha falsificada, fosse quem fosse, estava num patamar muito acima do nosso, ele tinha livre acesso a um mundo que só podíamos imaginar.
E que tal se você pudesse, mais que simplesmente a idade, alterar outras informações de seu registro civil de modo a obter regalias e privilégios que os comuns não têm? E que tal se você conseguisse uma carteirinha falsificada de índio?
Isso mesmo. Carteirinha de índio. Eu nem sabia que isso existia. Para mim, índio tinha certidão de nascimento, rg, cic etc. Mas não. Índio tem carteirinha de índio, o RANI - Registro Administrativo de Nascimento Índigena. Rani, não confundir com Raoni, o chato líder indígena a quem o outro chatíssimo cantor Sting carregou a tiracolo mundo afora nas décadas de 1980, 1990, feito mesmo um europeu a exibir um papagaio, uma arara, ou outro bicho exótico.
E para que ter um Rani ?, poderão perguntar alguns. 
Logo de cara, só para começar, de posse de tal documento, você seria considerado inimputável, ou seja, a lei não poderia lhe atribuir nenhuma responsabilidade por seus atos e, consequentemente, nenhuma punição,  pois você não tem discernimento do que faz. Às vistas da lei, você seria considerado como uma criança, ou como um retardado mental.
Ofensivo? Eu acho, o índio não. Ser inimputável vai muito além de ser julgado e, em seguida, absolvido por incapacidade, o índio nem chega a ser julgado, nem chega a enfrentar um tribunal. Ele pode cometer o crime que bem entender, desde assassinato (lembram de Paulinho Paiakan, o nosso bom selvagem?) até os costumeiros contrabando e tráfico de madeira, pedras preciosas e animais silvestres, que nada lhe acontece. Se um índio estuprar alguém, é liberado imediatamente pela lei, nem ele nem o pau duro dele sabiam o que estavam fazendo. A ideia de um Rani falsificado já começa a lhe parecer mais interessante, né?
Além disso, ter o Rani lhe dá direito à sua glebazinha de terra, você já nasce um latifundiário : 12,5% do território nacional estão nas mãos de pouco menos de um milhão de índios, 869 mil índios, segundo o último censo do IBGE. Bom, né?
Garante-lhe também os direitos a usufruir de todos os serviços públicos sem nunca ter trabalhado, sem nunca ter nada produzido, sem nunca ter contribuído com seus impostos, inclusive direitos previdenciários, ou seja, o índio tem  acesso real a tudo o que a Constituição diz garantir, mas não dá, ao cidadão comum. E sem trabalhar. Sem levantar o rabo da rede.
E agora? Seria ou não providencial um Rani falsificado? Bem melhor que a antiga e ingênua carteirinha da escola, não?
Segundo a Polícia Federal, foi exatamente isso, um Rani falsificado, o que conseguiu Paulo José Ribeiro da Silva, o Paulo Apurinã, que também atende (quando se lembra que tem um) por seu nome indígena, Caiquara.
Após um ano e meio de investigações, a PF indiciou Paulo José Ribeiro da Silva e sua mãe, Francisca da Silva Filha, por suspeita de falsificação de documento público.
E Paulo Apurinã não é apenas um índio falsificado, ele é O índio falsificado. Ele é porta-voz da indiarada do Mirream, o Movimento Indígena de Renovação e Reflexão do Amazonas, bonito, né? Por conta disso, Paulo Apurinã circula nas mais altas rodas de nossa política, é líder indígena conhecido mundialmente, chegou mesmo a ter com os caciques-mores da nação, Lula e Dilma, a quem presentou com cocares rituais de sua etnia. Picareta atrai picareta.
Falando em cocar, as investigações da PF em torno de Paulo Apurinã começaram justamente por causa de um. Em 2011, ele foi detido por desacato a um fiscal do Ibama e a um agente da PF no aeroporto de Manaus, onde tentava embarcar com um cocar feito das penas de uma ave ameaçada de extinção. Não é lindo ver como nossos bons selvagens vivem em harmonia com a natureza, não é lindo ver como são autossustentáveis e amigos do planeta?
Rani, todo mundo quer. E carteira de trabalho, o índio tem? Quer? Tem é que dar carteira de trabalho pra indiarada. E uma enxada de cabo bem pesado!
De acordo com Sérgio Fontes, superintendente da PF no AM, os Ranis falsificados de Apurinã e de sua mãe teriam sido conseguidos com a colaboração de uma funcionária da Funai, em 2007.
Com o Rani, a mãe de Apurinã conseguiu, entre outras coisas, ingressar como cotista no curso de turismo da Universidade Estadual do Amazonas. Com os contatos políticos do filho, logo, logo, ela será nomeada diretora-executiva da Embratur, não tenham dúvidas.
E é a própria mãe de Apurinã quem revela a origem de seus nomes indígenas, ele, Caiquara (o amado), ela, Ababicareyma (mulher livre). Como não fala, assim como o filho, o idioma indígena, retirou os nomes de um dicionário tupi-guarani de significados. Pãããããta que o pariu!!! E a Polícia Federal ainda tem coragem de levantar suspeitas a respeito da autenticidade étnica dos dois? Sacanagem.
Mas Paulo Apurinã diz que é índio, sim. A bisavó dele era índigena pura, portanto, ele é a terceira geração dos verdadeiros peles-vermelhas. Ora, porra, então eu também vou querer minha carteirinha de índio, também vou querer a minha parte nessa mamata. Minha bisavó paterna também era índia, daquelas que, dizem, foi pega a laço e tudo mais. Também vou querer minha terrinha para extrair madeira, pedras preciosas e vendê-las ilegamente.
Um dos critérios para a obtenção do Rani é o autorreconhecimento, o que quer dizer que a comunidade indígena tem de reconhecer a pessoa como índio; em caso de dúvidas, a  Funai deve pedir laudo antropológico, o que não ocorreu com Paulo Apurinã e mãe.
Agora que a merda estourou, que a canoa de Paulo Apurinã começa a fazer água, os seus amigos, os outros índios apurinãs, até agora por ele representados, começam a tirar o corpo fora, começam a dizer - a exemplo do nosso ex-presidente Lula - que de nada sabiam, que mal conhecem Paulo Apurinã.
"Precisamos saber qual é a linhagem dele para não sermos enganados.", diz o cacique apurinã José Milton Brasil, tirando o dele da flecha.
Mas acho que, nesse caso, a Polícia Federal está equivocada em suspeitar das legitimidades de Paulo e sua mãe, talvez esteja ocorrendo até uma injusta perseguição ao silvícola. 
Eu, depois de vê-lo, não tenho mais nenhuma ressalva em considerá-lo como um autêntico índio. Vejam a foto abaixo. É ou não é um verdadeiro indígena? Vejam se não é o próprio Peri, de José de Alencar, redivivo? Vejam se não é a própria força, coragem e bravura encarnadas, um Apolo tupiniquim?
E se, aos mais descrentes, a exuberante forma física de Paulo Apurinã ainda não convenceu, vejam só com que destreza ele maneja o arco e flecha. Essa mata em que ele se encontra não é algum rincão perdido da Amazônia, é o quintal de sua casa, vejam um muro ao fundo. E essa incrível biodiversidade de plantas ao seu redor? Corto o meu saco se ele souber o nome de alguma delas. De uma única que seja.
Eu também quero minha carteirinha de índio! E um cocar! E, lógico, um apito!!!

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4 Comentários

  1. Seu texto é extremamente preconceituoso. A parte do caso de Paulo Aripuanã, ao que é certo apresentarmos indignação, vejo um monte de comentários um tanto quanto ignorantes.

    Começando do princípio: o que classifica alguém como índio? Falar a língua? Morar em uma aldeia? Usar arco e flecha? Encarnar seu "Apolo tupiniquim"?

    Ser indígena liga-se a sua ancestralidade, as sua raízes, ao seu sangue. Se você mora em uma cidade, usa roupas, não fala a língua, tem celular, faz faculdade, trabalha... Mesmo sendo um descendente direto, você é menos indígena por isso? Mesmo que sua avó tenha crescido em uma aldeia, a qual você nunca foi, mesmo que toda a família do seu pai tenha a a identificação étnica e sejam índiodescendentes "legalmente reconhecidos", você é menos indígena? Está na hora de rever seus conceitos, meu caro. Você ainda tem a visão eurocêntrica que persiste desde o século 16 sobre os índios. O índio do século 21 não usa tanga e caça na mata.

    E se você deseja "juntar-se à mamata", seu caráter é tão duvidoso quando o das pessoas que você critica nesse texto.

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    1. A visão eurocêntrica é a do índio ingênuo, puro, conspurcado pelo contato com o homem branco.
      A minha é a real, é a que vê o índio como qualquer outro ser humano, tão falho e corrupto quanto o branco, o negro, o oriental, o esquimó etc.
      A visão eurocêntrica é aquela que acha que o índio tem que ser preservado como um papagaio, uma arara, ou qualquer outro bicho para exibiçao. A minha é a de que o índio tem que trabalhar, pagar impostos, enfrentar fila de posto de saúde etc.
      Me diz,então, o que é ser índio, hoje, no século XXI, se não é caçar e usar tanga? ìndio caça, sim. Caça regalias, terras de graça, proteção indevida da lei.
      E me juntar à mamata seria só uma maneira de tentar reaver um pouco dos impostos que eu, diferente dos índios, pago e não tenho de volta, na forma de educação, saúde e segurança.
      E, por fim, não tem nada disso de meu "Apolo tupiniquim", isso é coisa lá do José de Alencar, ele sim com a ideia eurocêntrica do índio (você já leu José de Alencar? Duvido. Eu já), quem descreve Peri como um deus grego é ele, é até uma coisa meio viada.

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  2. Ja li muita leseira mas esta superou rss...

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    1. Você é mesmo o Paulo Apurinã, o Caiquara? Belo terno, hein, cara-pálida?
      Eu sou seu irmão das selvas, também sou bisneto de índia, é verdade. Minha bisavó era dos Terenas.
      Me dá a dica aí, me diz como faço pra conseguir meu Rani. Ter Rani dá direito à aposentadoria especial? Eu já trabalho, com registro, desde os 18 anos e já tô de saco cheio, e devo ter mais uns 15 ainda para me aposentar. O Rani facilitaria?
      Meu texto tem mais o tom e a intenção de brincadeira (séria) que de crítica(engraçada). Você está certo, errada está a lei em nosso país.
      Abraço de seu "irmão de sangue".

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