Pequeno Conto Noturno (25)

Núbia, saída da noite, passa pelo mercado 24 h, uma lata de água tônica como oferenda apaziguadora à ressaca que, em lugar de Apolo, estará a conduzir a carruagem do Sol de hoje, e um pacote de absorventes íntimos, com abas e, garante a embalagem, bem-estar e frescor que duram o dia todo.
Dá de topo com Rubens, saído de sua casa, a contragosto, um erro de cálculo o obrigou a caminhar até o mercado em busca de mais cerveja, um fardo de long necks pesa em sua cesta de compras; a noite, há tempos, para Rubens, é feito um bicho no zoo, bela, selvagem, agradável de se olhar, de fora, ele não mais enfia a cabeça na bocarra escura e carnívora dela.
Um ato reflexo faz Núbia iniciar um movimento em direção a Rubens, abraçá-lo, mas o impulso morre na medula, frente à imobilidade dele.
Sobram apenas, como sempre, e isso era o mais cansativo entre eles, as palavras.
- Você por aqui ? - começa Núbia.
- É o que parece.
- Como vão as coisas, a vida ?
- Daquele jeito.
- Ainda trabalhando?
- Quando deixam, não brigo mais para.
Há, entre eles, muitas desculpas a serem pedidas por tudo que se disseram, mais ainda pelo que não.
- Quer conversar ? - propõe Núbia.
- A julgar pelos absorventes em sua cesta, me parece que é o que há para hoje.
Saem do mercado, atravessam a rua e se sentam na beirada de um canteiro de margaridas malcuidadas, no estacionamento de uma clínica de estética, vazio a tal hora.
Rubens abre duas cervejas. Brindam um brinde que é mais praxe do que verdadeiro voto de saúde. Bebem.
Falam, mas pouco se ouvem. Nessa madrugada, todos os sons, códigos Morse, sinais de fumaça e pombos-correio, espocam dos olhos, que mal se miram.
A conversa é apenas um procedimento de segurança, um mecanismo de contenção à urgência das retinas, uma placa de contramão à revisita de sofrimentos repetidos.
Os últimos ônibus urbanos, os corujões, passam por eles, vazios, trafegando por obrigação, por hábito, apenas para fugirem ao tédio de suas garagens. Rubens e Núbia falam, e bebem.
Um ou outro catador de lixo a carregar sua féria do dia; um ou outro perdido à procura de uma farmácia de plantão, comprar antitérmico para o filho, talvez. Rubens e Núbia falam, e bebem.
O semáforo, camaleão exibicionista, faz seu malabarismo cromático para ausente plateia, nem putas ou pedintes há pelas ruas; apenas as grandes avenidas e os viadutos incontinentes se mexem vez em quando em seus sonos, espreguiçam-se incomodados, irritados por alguma ambulância ou por algum carro idiota a vomitar música alta.
Conversa vai, conversa vem, conversa volta, Rubens abre as duas últimas cervejas do fardo.
- Você não sente falta? Não sente falta da madrugada, dos bares, dos olhares desconhecidos que se reconhecem e terminam em alguma cama, falta de mim ? - pergunta Núbia.
- E isso importa ?
- Não respondeu à minha pergunta - insiste Núbia.
- E isso importa?

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