O Cine São Paulo

Faço a pé o meu caminho para o trabalho.
Só com isso, "contribuo" muito mais para com o planeta e o meio ambiente do que um exército de ecologistas militantes em seus carrões, esse bando de nazistas verdes filhos das putas.
O ecologista é o gordo em eterno regime. O cara come, sozinho, uma pizza grande com bordas recheadas de catupiry. Com coca diet, porém. Para aplacar a culpa.
O ecologista, como todos nós, usufrui de todas as benesses e comodidades de uma sociedade virulentamente industrializada, capitalista e predadora; contribui também para que ela seja assim através de seu consumismo. Mas usa sacola retornável ao fazer suas compras, separa a porra de seu lixo para a coleta seletiva, usa detergente biodegrádavel, papel reciclado etc.
A sacola retornável e a coleta seletiva são a coca diet do ecologista. Não valem de porra nenhuma. Apenas aplacam a consciência culpada do sujeito, auxiliadas pela burrice inata a ele.
Claro que não ando a pé pelo bem do planeta, merda nenhuma. Assumo tranquilamente a natureza destrutiva e perniciosa de minha espécie.
Ando a pé porque me faz bem. Se contribui para o oxigenação do planeta, eu não sei, mas que oxigena pra caralho o meu cérebro, isso oxigena. E meu cérebro é o meu mundo, o meu planeta.
Tenho quatro rotas para o trabalho, entre as quais me alterno ao longo da semana; às vezes, mesclo essas rotas e elas se tornam doze, dezesseis, vinte. 
Li, em algum lugar, que não é saudável, para o cérebro, mantermos a rotina de um mesmo trajeto. Mudar constantemente de caminho, obriga o cérebro a prestar mais atenção ao derredor, a trabalhar mais, manter-se mais atento e, em suma, mais ativo.
Na minha rota de número dois, passo em frente a um prédio morto, no velho centro da cidade, que foi, outrora, o imponente Cine São Paulo, localizado no térreo do edifício mais antigo da cidade; se não, o segundo.
O seu letreiro de neon ainda está lá, quebrado, sem nenhum neon a lhe correr nas veias; o guichê da bilheteria está no mesmo lugar, sem a placa com o horário das sessões e o preço do ingresso ao alto, e sem a bilheteira a nos cobrar a carteirinha de estudante a propósito da meia entrada e da verificação de nossa idade; o carpete da entrada, do qual bem me lembro, felpudo e azul, apresenta-se uma lixa de cor indecifrável; o balcão de doces, cujo corpo de polido vidro nos permitia divisar jujubas e Mentex em suas entranhas, está rachado de rugas, macilento, amargurado.
Guardo boas recordações do Cine São Paulo, e da época em que ele e mais outros onze cinemas se espalhavam pelo centro da cidade, antes do advento dos hediondos e impessoais shopping centers.
Foi na sala escura do cine São Paulo que assisti ao clássico Star Wars, em 1977 - sala com cheiro de cinema (as salas, hoje, não cheiram mais a cinema, tem o mesmo cheiro que o banheiro dos shoppings em que se localizam).
Um tremendo choque, um tremendo de um bom choque, o primeiro filme da primeira trilogia de George Lucas. Nada havia como, ou parecido, ao que víamos na grande tela do cine São Paulo, era algo totalmente inédito. Exceção concedida aos nossos sonhos, nunca havíamos visto carros voadores e espadas laser a se acenderem.
Durante muito tempo, no recreio da escola, discutimos de que maneiras eram feitos cada um dos truques do filme, aventávamos as mais absurdas hipóteses. A imaginação de George Lucas foi um incentivo e exercício às nossas.
Até hoje, quando, por acaso, vejo trechos do primeiro episódio de Star Wars, a lembrança do cine São Paulo é inevitável. E, ainda que pudesse ser, evitá-la por quê?
Com o declínio do velho centro e a migração insana para os shopping centers, o cine São Paulo e seus onze companheiros adoeceram; vítimas de um vírus epidêmico, definharam, agonizaram e morreram. Uns mais rápido que outros.
O cine São Paulo e o cine Comodoro resistiram bravamente, tornaram-se cinemas pornôs, como último recurso, como tentativa de um último fôlego, uma sobrevida quase digna de seus áureos tempos.
Já era a decadência, sem muita elegância. Ainda assim, reservo boas lembranças também dessa fase do cine São Paulo.
Em tempos em que a internet sequer era sonhada, tampouco o acesso irrestrito à pornografia que ela nos proporcionou, o cine São Paulo tornou-se um oásis de bundas, bucetas e peitos; eram tempos em que o próprio - e já extinto - videocassete era muito pouco acessível e difundido.
Vi grandes clássicos do pornô no cine São Paulo, Garganta Profunda, O Diabo na Carne de Miss Jones, toda a série Taboo Americano.
Eram dias mais inocentes dos cinemas pornôs, bem antes deles se transformarem nos pontos de prostituição masculina que são hoje.
Geralmente, íamos em grupo de três ou quatro amigos, na sessão das 20 horas. Antes, comíamos um lanche no Xis (à época, o hambúrguer mais barato da cidade) e passávamos em uma banca para comprar uns gibis de super-heróis, que colecionávamos assiduamente. Já em casa, cada um na sua, lembrávamos das cenas do filme e socávamos uma bela bronha.
Hamburgão, gibizão, pornozão e punhetão... Éramos felizes. E bem sabíamos disso.
Hoje, sempre que passo pelo túmulo do cine São Paulo, ergo um brinde de rum imaginário à sua memória, às nossas memórias.
Se eu rezasse, faria-o para que a alma do cine São Paulo repousasse em paz por toda a eternidade. Rezasse, faria-o fervorosamente pela sua demolição, seu honroso funeral. Rezasse, cairia de joelhos na intenção de que seu prédio jamais se torne mais uma dessas igrejas evangélicas, que é o pior que pode acontecer com a alma de qualquer um.

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2 Comentários

  1. Cara, bons tempos mesmo! Acho que vc estava junto, num pornô, onde de repente apareceu o Pablo (Qual é a música?) pelado, com aquela bunda branca e feia. Foi tão brochante que acho que foi meu último pornô. E tenho quase certeza que foi no Cine São Paulo. E tem nome de santo. Valeu pela recordação!

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    1. Pãããããta que o pariu!!! É verdade, teve mesmo esse filme com o Pablo. Não me lembrava, e podia ter continuado sem.
      Já entramos em muitas barcas furadas.
      Quase sempre por culpa do Marcellão. E é sempre divertido lembrar.
      abraço.

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