Huuummm, Esse Degusta...

No sábado passado, encontrei uma amiga num atacadão aqui do bairro onde costumo comprar minha cerveja - é, cerveja pra mim tem que ser no atacado, cervejinha a varejo, duas ou três latinhas, é coisa de florzinha, de perobo.
Ela estava lá - cada qual com seus vícios - comprando granola, sementes de girassol, linhaça, aveia, ameixa seca, essas coisas que as mulheres de meia-idade ficam comendo para o bom trânsito intestinal, para desentupir o cu - então, eu disse a ela de um método muito mais eficaz, e muito mais divertido e prazeroso, de desentupimento do cu, ela riu e disse que eu não mudo mesmo, que não tomo jeito. Não sei porque ninguém leva a sério o que eu digo.
Zombou da minha cerveja. Disse que nunca tinha visto aquela marca - a boa e barata Glacial -, falou que devia ter sido a mais barata que encontrei. Confirmei. Fora mesmo a mais em conta, R$ 1,09 a latinha, disse a ela, com orgulho do resultado de meu garimpo.
Acusou-me de sovina, de canguinha, de mão de vaca. Professor ganha mal, é verdade, mas dá pra comprar uma coisinha melhor, não dá, não?, espezinhou-me. Perguntou se eu não gostava de uma cerveja artesanal, sem saber que estava a cutucar vespeiro com vara curta.
Antes que eu perguntasse - meus reflexos de resposta estavam um tanto quanto lentos, pois me concentrava para não mandá-la tomar no cu - como ela se tornara uma connoisseur de cervejas, uma sommelier, pois a sei uma abstêmia (de novo, cada um com seus vícios), ela me respondeu. E cavou a própria cova rasa.
Revelou-me estar de caso com um sujeito - ela tem idade próxima à minha, é descasada, avulsa, e enceta sistematicamente relacionamentos fátuos e fugazes - que tem como hobby as cervejas artesanais. Contou-me, inocente, pura e besta, que eles saem, sentam-se à mesa de um estabelecimento especializado em cervejas artesanais e ele passa mais de hora a degustar uma única garrafa de cerveja. Ele dá golinhos homeopáticos, bochecha a cerveja, deixa-a repousar um tempo na língua e vai versando sobre o bouquet, sobre o amargor do lúpulo, sobre as notas frutais ou defumadas etc etc. E pede, como acompanhamento, uma porção de comida que harmonize com o espírito daquela cerveja, que não entre em conflito com as especiais propriedades dela.
Ri sem sorrir. Dei um tapão, como quem afugenta o Aedes aegypti ou o Lula, no anjinho sobre o meu ombro direito e fiquei só com o capetinha, no esquerdo. Estava na hora do pau, como diria Ben Grimm, o Coisa. Estava na hora do Azarão, como diria eu mesmo.
Perguntei-lhe, então, há quanto tempo haviam começado com o affair, quantas vezes tinham saído juntos. Há cerca de dois meses, e uns cinco ou seis encontros tinham se dado - ele trabalha em outra cidade e chega tarde e cansado.
Ele já te comeu? - mandei na lata.
Ela riu de novo, disse de novo que eu não me emendava mesmo etc, mas não um riso de troça como o que expressara quando se referiu à minha cerveja, sim um riso meio triste, decepcionado.
Já te comeu? - insisti.
Não. O degustador ainda não tinha lhe dado uma boa pirocada. É um sujeito fino, requintado, respeitoso, que gosta de ir devagar, construir lenta, porém, solidamente, um relacionamento. Mas que ela tinha esperança de que no encontro que eles teriam à noite, ele faria amor com ela. Respeitoso é o caralho; solidamente é a puta que o pariu! O que esse cara não deve ter de sólido é a benga. Só o cara broxa é que é respeitoso, que não tenta comer a mulher logo no primeiro encontro. Dentro do carro. No elevador, se bobear.
Continuei. Disse que não queria desanimá-la em relação ao seu novo rapaz, longe de mim agourar alguém, mas que um cara que passa mais de uma hora degustando uma cerveja, com certeza, passa umas duas ou três degustando uma boa rola. Nem precisa caprichar muito na produção para o encontro de hoje, aconselhei. Nem precisa usar lingerie nova. Nem precisa aparar os pelos da buceta. Não vai rolar.
Ela riu, de novo. Agora, um riso apreensivo, amarelo. Falou que ainda tinha umas coisas pra comprar e saiu.
Espero que eu tenha baixado as expectativas dela para o tal encontro com o degustador. O que será bom para ela. Para os dois, na verdade. Se o cara realmente não compareceu, a frustração dela foi menor, ela já fora alertada para essa possibilidade. Se, contrariando meus prognósticos, o cara passou-lhe a vara, ainda que pequena, ainda que meia-bomba, ainda que fazendo cara de nojinho, ainda que uma foda rapidinha, de galo, ela, psicologicamente esperando pelo pior, deve ter se deliciado, se esbaldado. E o cara ainda foi pra casa com fama de metelão.
Cada vez mais concluo que essa é missão para a qual vim ao mundo : distribuir esperança e alegria por aí.
Já fora do mercado, a caminho de casa, numa dessas associações mentais involuntárias, aleatórias e sempre mal-intencionadas e canalhas, lembrei do grande Renato Aragão e de seu alter ego Didi. Não do Didi de hoje, do Didi da Turma do Didi, aquele bando de debiloides do quinto escalão do elenco da rede Globo. Sim do Didi dos impagáveis e politicamente incorretíssimos Os Trapalhões. Sim do Didi Mocó Sonrizep Colesterol Novalgino Mufumbbo, Mufumbbo com dois "bês" e Mocó com dois acentos no ó.
Mordaz, sacana e boca do inferno que só ele, Didi Mocó criava vários eufemismos para se referir à viadada. Rapaz alegre, possivelmente, é o mais famoso deles. Mas o que eu mais gosto é o "huuummm, esse camufla...". A bichinha passava, toda saltitante e serelepe, Didi a olhava de soslaio, levava as pontas dos dedos à boca, como forma de reprimir e esconder o riso de mofa, e dizia : "huuuummmm, esse camufla...".
Sem, obviamente, as mesmas genialidade e verve histriônica de Didi Mocó, sem a intenção/presunção de cunhar expressão de mesma força e significância, sabendo-a tão somente uma sofrível e pálida cópia da original, veio-me, à sempre desocupada mente, uma versão do "huuumm, ele camufla...", uma adaptação para os sommeliers de cerveja, vinho etc (isento dela, aqui, apenas os sommeliers de buceta, e os de cu, também). Surgiu-me : "huuuummmm, esse degusta..."
Se o sujeito, cara leitora do Marreta, estiver lá, no bistrô ou no pub, sentado naqueles banquinhos de pernas longas, com as pernas (as dele) cruzadas uma sobre a outra, o pezinho (com sapatênis) balançando, lendo uma publicação especializada em cerveja, bebericando, dando golinhos homeopáticos numa cerveja artesanal, lendo e analisando detidamente o rótulo e fazendo caras de que está a provar da ambrosia e do néctar dos deuses, de que está a chafurdar nos peitos de Vênus, não tenha dúvidas: "huuummm, esse degusta...".

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7 Comentários

  1. Kkk, tudo verdade. A sua sovinice, a estória dos cereais para as mulheres, a do cara que camufla e a sua missão de nos fazer rir.

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    1. minha missão de fazê-los rir? então, estão fudidos, podem começar a chorar.
      E se sabe de minha sovinice, é porque me conhece. identifique-se, poxa!

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  2. Muito engraçado, bem no estilo escracho. Tive um colega que dizia um quase sinônimo de "esse degusta... (muito boa), que era "aquele ali pode até não arquivar mas deixa a gaveta aberta"

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  3. Cerveja é coisa rápida! "Artesanal", só o nome já diz!
    Excelente o texto. E, me diga, verdadeiramente, essa Glacial é boa mesmo? Onde posso encontrá-la a R$1,09? Vou seguir a dica e experimentá-la.

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    1. Olha, a Glacial é uma cerveja mais fraca, para ser tomada quase que feito água, boa para o clima quente daqui. Ela regula mais ou menos com a Bavária, com a Crystal.
      Essa oferta, eu encontrei na rede de atacado Assaí, não sei se tem por aí.

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    2. Essa cerveja é uma bosta. A Bavaria dá de 10 a zero nela, e olha que a Bavaria é bem ruinzinha.
      Você é um cara muito avarento, tipo os muquiranas do canal TLC. Sorte da sua família, que vai gastar tudo rapidamente quando você morrer.
      Fátima

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    3. E quem disse que você tem alguma coisa a ver com a maneira como eu gasto ou deixo de gastar o meu dinheiro? O seu vai ficar para quem? Para o seu macho? Antes com minha família.

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