Por Que Que Você Nunca Fica de Castigo, Pai?

Quando vou ao supermercado nos fins de semana, levo meu filho junto. E moleque de 6 anos é moleque de 6 anos. Moleque de 6 anos em supermercado é igual a macaco em loja de louças. Perigosíssimo. Para a loja e para ele mesmo.
Mas também o mercado provoca. Para adultos, o mercado é só um mercado, um local de abastecimento de nossos víveres básicos. Para a criança, aquilo é um caleidoscópio de estímulos. Visuais, sonoros, olfativos, táteis e gustativos. Uma psicodelia. As prateleiras, verdadeiras babéis de logomarcas, que já são gigantescas às vistas de um adulto, tornam-se em vertiginosos Everests para uma criança com pouco mais de um metro de altura. Um Everest estroboscópico de cores.
Moleque fuça em tudo. Exigem um puta trabalho de vigilância dos pais. E de educação, também. A não ser aquelas crianças - e tenho visto cada vez mais desses tristes casos - cujos pais lhes põem um celular ou um tablet nas pequenas mãos. Essas não dão o menor trabalho. Não mexem em nada. Não veem nada. Não escutam nada. Comportam-se como autistas. Seguem os pais feito poodles amestrados; pior, feito pequenos autômatos idiotizados. O frango congelado no carrinho de compras dá mais sinais de vida que essas crianças. E do que seus pais, também. Tablets e smartphones são os tarjas pretas que não precisam de receita médica. Na França e na Bélgica, é crime previsto em lei dar uma merda dessa para crianças menores de 5 anos.
Aliás, é essa a mesma laia de pai e mãe que leva a criança a um psiquiatra para que lhe sejam prescritos "remédios" para déficit de atenção, para hiperatividade e outras invencionices da indústria farmacêutica aliada à máfia dos divãs. "Remédios" para a energia excedente e sobrenadante própria de uma criança saudável; "remédios" para a alegria e para a peraltice, que é a melhor forma de descobrir o mundo ao seu redor; "remédios", enfim, para curar a criança de sua infância. 
Dopar a criança para que não tenham o trabalho, eles, os pais, de bem educá-la, para que não tenham o trabalho de ser pais. Para que possam, um na TV da sala, ver o futebol e o outro, na do quarto, acompanhar a novela. Ou ficar cada um, em seus smartphones e facebooks, a tramar putarias e pequenas infidelidades.
Moleque fuça em tudo. É normal. E o meu fuça em algumas coisas bem interessantes, incomuns. Não é de mexer nas prateleiras, mas, se eu me descuido por poucos segundos, ele realiza pequenos atos de sabotagem. Adora desligar aquelas geladeiras que guardam refrigerantes e cervejas; se bobeio, ele as desliga, quantas puder, num botão colocado ao rés do chão. Se o caixa ao lado do que passamos está sem funcionário, ele se abaixa e aperta o botão de reset do terminal do computador colocado ao chão; já deu reset num monte.
Moleque fuça em tudo. É normal. É saudável. O que não significa que não devam ser coibidos, corrigidos, censurados, repreendidos, educados, enfim. E eu, sim, coíbo, corrijo, censuro e repreendo. Tentando me manter no tênue limite, na corda bamba entre não deixar que ele cause algum dano ou que atrapalhe as demais pessoas e que eu, por excessivas proibições, destrua a sua curiosidade.
Dia desses, porém, ou ele estava mais encapetado que o de costume, ou eu estava com a paciência mais curta, ou ambas as coisas, e eu acabei por lhe aplicar um castigo. Peguei um daqueles grandes carrinhos de compras e o coloquei dentro, "engaiolei-o", enquanto fazia as compras. Foi em um dia em que tive que comprar uma quantidade de itens maior que o normal e lembrar de tudo e correr atrás de moleque ao mesmo tempo é foda. Não faço lista de compras. Memorizo tudo antes de sair de casa. Divido as compras por setores em meu cérebro. Isso de fazer listinha de compras no papel, ou, pior e imperdoável, no celular é para frouxos, para voluntários ao Alzheimer.
Ele ficou o tempo todo lá, engaiolado no carrinho. Inclusive, durante a longa espera na fila do caixa. Todas aquelas tentações passando aos seus olhos e ele sem poder tocá-las.
Na saída do mercado, ele me disse que não gostara de ficar de castigo. Eu respondi que castigo é para não gostar mesmo, que não seria castigo se ele gostasse. Castigo é isso mesmo, disse a ele, é não poder fazer coisas de que a gente gosta.
- E por que que você nunca fica de castigo, pai? -, perguntou-me.
Pergunta de criança nunca é simples.
Por que que você nunca fica de castigo, pai? Pensei um pouco, respirei fundo e, quase que num suspiro, respondi a ele:
- Você é que pensa, meu filho... você é que pensa.

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