Tá Rindo do Quê, Ô, Pagodinho?

Não gosto de citar. Gosto menos ainda, aliás, de citadores, aquelas pessoas que sempre começam suas falas com "segundo fulano, de acordo com beltrano etc". Geralmente, são os dados à inútil área das humanas, os citadores; filósofos, sociólogos, psicólogos e outros charlatões diplomados. Que se fodam Platão, Nietzsche ou Freud. Se eu tô conversando com uma pessoa, quero saber o que ela pensa e tem a dizer, nem que o meu interesse no que ela pense seja meio que fingido, simulado apenas com a intenção de comê-la, quero saber o que ela pensa, não o que pensou algum grego ou alemão, que aí é até capaz de eu broxar. Que quem é bom, pensa; quem não, diz o que o outro pensou.
Não obstante, e até porque eu prefiro ser essa metamorfose aporrinhante, vou citar : "se tens enfadonha tarefa, da qual não podes te furtar ao cumprimento, tampouco mais protelá-la em prevaricação, execute-a com muita música e cerveja".
E, então, fiquei pensando, matutando, puxando pela fraca memória qual teria sido o pensador a proferir essa máxima. Depois duns 10 ou 15 minutos, descobri. Fui eu mesmo. Estou me autocitando, que é o mesmo que bater punheta olhando para uma foto nossa 3x4. Pãããta que o pariu!!!
É que hoje é domingão e incostumeiro dia de eu lavar os banheiros do apartamento; mormente, faço isso às quartas ou quintas-feiras, mas é que essa semana foi atribulada, o filho com febre e tal, madrugadas maldormidas, e acabou sobrando para hoje - tampouco mais protelá-la em prevaricação. E acatando meus próprios ensinamentos, sempre lavo os banheiros tomando um bom latão de cerveja e escutando um musicão.
Latão a trincar no congelador, fui escolher o repertório do dia na minha caixa-de-sapatos-realejo, que é (óbvio) uma caixa de sapatos em que guardo para mais de 150 CDs (todos com álbuns baixados da net, de 8 a 10 álbuns por CD), todos em pé, enfileirados, feito cartões da sorte num realejo, e eu, periquito azarado, corro o dedo por cima deles, de olhos fechados, e pinço um. Hoje saiu o número 35 (sim, são numerados), com Alcione, Jorge Aragão, Zeca Pagodinho e outros antigos do samba. Para não dar preferência a esse ou a aquele cantor, eu ponho o toca-CD no modo aleatório - shuffle ou random, para os iletrados em nossa bela última flor do Lácio - e deixo correr as faixas.
Então, estava lá eu, só de cuecão, emborcando cerveja e esfregando o privadão, quando Zeca Pagodinho foi o sorteado pelo programa do toca-CD : uma de suas músicas de maior sucesso, Não Sou Mais Disso, que conta a mudança radical da vida de um ex-malandro por conta de uma tal dona, da guinada que a vida dele, de boemia e orgia, deu depois que tomou um chá de buceta da tal. E ele narra a mudança todo alegre, festivo, felizinho da vida. Primeiro, à letra; depois, aos comentários.

Não Sou Mais Disso
(Zeca Pagodinho/Jorge Aragão)
Eu não sei se ela fez feitiço
Macumba ou coisa assim
Eu só sei que eu estou bem com ela
E a vida é melhor pra mim
Eu deixei de ser pé-de-cana
Eu deixei de ser vagabundo
Aumentei minha fé em Cristo
Sou bem quisto por todo mundo

Na hora de trabalhar
Levanto sem reclamar
E antes do galo cantar
Já vou
À noite volto pro lar
Pra tomar banho e jantar
Só tomo uma no bar
Bastou

Provei pra você que eu não sou mais disso
Não perco mais o meu compromisso
Não perco mais uma noite à-toa
Não traio e nem troco a minha patroa

Pois é. Tá rindo do quê, ô, Pagodinho? O cara deixou de encher a cara, de tomar o redentor goró, de dar aquela relaxadona, de sentir aquele torpor a formigar pelas veias (eu deixei de ser pé de cana), passou a trabalhar, a bater cartão, a ter corrida hora de almoço e parco holerite (eu deixei de ser vagabundo), virou até evangélico, o filho da puta (aumentei minha fé em Cristo) e, o pior, passou a ser benquisto por todo mundo, que é das piores cagadas de pombo que podem acertar a cabeça de um sujeito, ser aquele cara de quem todo mundo gosta. 
E ele continua : levanta de bom humor em pleno dia útil e antes do galo começar sua natural lida, ele já está a caminho da dele, dentro daquele ônibus, trem ou metrô lotado, com aquele povão tudo fedido e ainda com mau hálito da noite anterior. E o pior : só toma uma no bar, bastou.
O cara só sai para trabalhar, está em casa para a hora do jantar e não passa mais a noitada na rua, ou seja, o cara tá em prisão domiciliar! E ainda todo alegrão, renegando sua vida pregressa. Tá cuspindo no prato que comeu, ô, Pagodinho, ou melhor, tá cuspindo no copo em que bebeu. Pois a resposta à sua dúvida, caro Pagodinho - eu não sei se ela fez feitiço -, está  contida na própria. É claro que ela fez mandinga das brabas, a do café coado em calcinha, daquelas bem usadas, babentas, azedas, ou pior : levou seu nome pro pastor rezar no culto de descarrego, de desencapetamento.
Tá rindo do quê, ô, Pagodinho?
Claro que eu não posso também dizer grandes coisas, afinal, estou aqui, em pleno domingão, a esfregar chão e box de banheiro, mas pelo menos não estou a rir nem a festejar. Que um minímo de dignidade um homem tem que manter, ora porra.
Sacanagem!!! Acho que deram cerveja sem álcool pro Zeca!

Em tempo : claro que sempre existe a chance da música ser uma migué do Zeca, um livra-cara. Vai ver, ele pisou feio na bola com a patroa, tava precisando fazer uma moral, chamou o amigo Jorge Aragão em seu socorro e se saíram com essa. Aí, sim!!!

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6 Comentários

  1. Como diria um português abrasileirado: "c'ralhos, ó Mareta, mandaste bem!". O foda é sua opinião, que transcrevo: "das piores cagadas de pombo que podem acertar a cabeça de um sujeito, ser aquele cara de quem todo mundo gosta". Putaqueupareu! Eu sempre quis ser esse cara! (sem os pombos, é lógico). E ainda completaria "e que todas as mulheres desejam". E agora, José? (esta é uma pergunta para mim mesmo)

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    1. o que todas as mulheres desejam, eu também já quis ser. O foda é que isso também pode ser uma maldição, visto que, no fim, a gente só pode ficar com uma sem ter problemas. Imagine você sabendo que é desejado por várias gostosas. É melhor não testar a força da carne, caro Jotabê, que sabidamente é das mais fracas.

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  2. Certeza que foi mutreta dele com o Jorge Aragão. O Zeca é gente fina!

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  3. Não sei se eu ri mais do texto ou dos comentários do Clube do Bolinha. É lerê trabalha, Amélia, enquanto eu tomo a minha cerveja. (risos) Mulheres, mulheres. Como não poderia deixar de ser, excelente texto.
    "J"

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