Sopa de Tomate do Azarão

Dezoito graus Celsius agora, na sucursal do inferno que é essa cidade. E a previsão para a madrugada é de 13 graus na mesma referida escala. Um inverno quase que siberiano para os nascidos na capital da cultura, quero dizer, da monocultura, primeiro a do café e agora a da cana.
O negócio, então, é aproveitar esse friozinho de araque para fingir que estamos em melhores plagas, em ares mais europeus. Nada melhor, portanto, que um bom caldo denso e fumegante, uma boa sopa dentro de um pão italiano. Como de costume, já preparei a minha indefectível e lendária Sopa de Tomates do Azarão, cuja receita, que data dos tempos em que não havia brumas em Avalon e que Morgana das Fadas ainda era aprendiz de cozinheira, publiquei aqui há exatos dois anos.
Pois, agora, dado o sucesso da primeira publicação, republico-a, mas antes de tudo, é melhor que eu deixe bem claro o título da postagem : Sopa de Tomates do Azarão significa uma sopa de tomates feita pelo Azarão, e não uma sopa feita com os tomates do Azarão. Ei-la, mais uma poção mágica que uma sopa, controversa e herege : 

"É uma receita de fácil execução, mas difícil, muitas vezes, de ser levada a cabo pela especificidade de seus ingredientes. Não cabem improvisos aqui, na STA (sopa de tomates do Azarão). Não há permissão para a substituição de nenhum de seus constituintes. Ou é a STA, ou não é! Não há meio-termo nem condescendências.
Os tomates não podem ser, em hipótese alguma, o que se convencionou chamar, hoje, de tomate, os tais longa vida, caqui etc - são aguados, anêmicos, amarelos, anabolizados. É obrigatório que seja daquele rasteiro, bem pequeno e vermelhíssimo, mais vermelho que batom de puta, maduríssimo, quase beirando o apodrecimento; ainda é possível achá-los sem grandes dificuldades em hortifrutis honestos.
O manjericão não pode, sob pena de excomunhão, ser desidratado, tem que ser fresco, in natura. Mas não pode ser o manjericão comum, há de ser o manjericão canela. Poucos o conhecem, e nunca vi dele para vender em supermercados e varejões. Ele brota "espontaneamente" ao pé das árvores plantadas nas ruas, nas calçadas das casas, ou é cultivado em jardins de senhoras de vetusta idade, aquelas velhas bem rabugentas; e esse é o melhor.
Um dia antes de fazer a STA, roube o manjericão canela do jardim de umas dessas velhas, e o mantenha com o caule na água para assegurar seu frescor até o dia seguinte. Só serão usadas umas poucas folhas, mas roube um galho de tamanho razoável, justamente para que a velha dê pela falta e passe o resto do dia xingando e rogando pragas no ladrão. As maldições proferidas pela velha intensificarão o odor e o poder de condimentação do manjericão canela.
Um ingrediente essencial - secreto e exclusivo - da STA é o Biotônico Fontoura, famoso elixir dado às crianças para lhes abrir o apetite. Um cálice de Biotônico Fontoura não só aumentará o valor nutritivo da sopa, dará também um caráter mais ferroso, mais sanguíneo.
Porém, não pode ser o biotônico com a formulação atual, da qual retiraram o álcool, tem que ser dos antigos, que talvez você consiga nos estoques empoeirados de velhas boticas, ou, quem sabe, no armário de remédios da mesma velha de quem você surrupiou o manjericão canela.
O parmesão é o queijo a ser salpicado à hora do consumo da STA. Mas tem que ser aquele parmesão de gaveta, bem velho, duro e desidratado. Nem é o parmesão curado; é o morto e mumificado, fossilizado. Aquele que nem fungo prolifera em cima, aquele que quebra pivô de ratazana.
E, agora, o ingrediente supremo : sangue menstrual, exatos 28 ml por litro da STA. Repleto de fragmentos de células rejeitadas e borbulhando de hormônios maternais frustrados, é esse líquido que elevará uma reles sopa de tomate ao extremo expoente da gastronomia, ele realizará a perfeita fusão entre o vegetal e o animal, entre a polpa e a carne.
De resto, é fácil : refogar os tomates em azeite extravirgem (sem ter sido tocado nem pelo espírito santo), batê-los no liquidificador, voltá-los liquefeitos à panela, e, acrescentados o cálice de biotônico e as folhas do manjericão canela, cozinhar mais um pouco, até engrossar a mistura; desligar o fogo e, só então, adicionar o sangue menstrual.
Servir quente (não fumegante), à temperatura da cópula, acompanhado de uma vermelha e terrosa cerveja bock.
As emanações dos hormônios impregnarão a casa, tornará-lhe-ão um ambiente primevo, extremamente reconfortante, acolhedor e prazeroso. Tomar uma lauta pratada da STA é ser reenviado ao  útero, à caverna da qual emergiu nossa espécie".

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4 Comentários

  1. Este comentário não tem nada a ver com sua receita meio vampiresca. É que eu descobri um blog de Três Corações chamado "A Marreta na Bigorna". Aí fiquei pensando: você está abrindo franquias do Azarão? Olhaí o link: http://amarretanabigorna.blogspot.com.br/

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  2. Rapaz, essa é a verdadeira sopa que fortalece rsrs. Pra fazer aqui em casa, preciso de uma sugestão de entrada e sobremesa. Alguém arrisca? Eu já pensei em algumas possibilidades (risos).
    "J"

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