Fui Cagar e Achei 2 Reais

Conta a estória que um cara, professor de escola pública, com início do batente às 7 horas da manhã, chegava sempre pontualmente à sua escola; literalmente, exatamente às 7 horas, zero minuto e zero segundo, com o sinal para a entrada dos alunos já a tocar.
Chegava e não falava nem bom-dia para ninguém, nem se dirigia ao seu armário para se munir dos diários de classes, livros, giz e apagador. Chegava e corria direto para o banheiro, onde aliviava seus intestinos.
Isso, todos os dias. Invariavelmente. Muitos eram curiosos acerca de tal comportamento; nenhum era corajoso o suficiente para abordar diretamente o escatológico assunto com o cagão concursado.
Até que um dia, um professor novo, um ingressante no oitavo círculo de Dante, perguntou-lhe sobre seu estranho e infalível hábito. Por que sempre na escola? Por que sempre em cima da hora? Não poderia acordar uns minutos mais cedo e cagar em casa?
Sim, poderia cagar em casa, respondeu o assíduo evacuador, mas, em casa, não estaria ganhando para isso.
Tá certíssimo, o cagão. Cagar em horário de trabalho é receber numerário pela merda que faz. Literal e metaforicamente. É o que, no sempre mal pago funcionalismo público, chama-se agregar valores.
E se, além do costumeiro soldo, houvesse ainda um bônus pelo barro arriado durante o expediente?
Pois foi exatamente o que se deu comigo, hoje.
Normalmente, antes de sair para o trabalho, reservo lá um tempinho para me sentar ao privadão e dar minha matutina contribuição ao mundo, para me despojar da insustentável leveza do ser. Hoje, porém, atribulações não rotineiras se fizeram imperativas e não pude me reservar tal tempo, pus-me à rua ainda enfezado.
E aí, não deu outra. O impacto de cada passo, dos quase 5 km percorridos a pé para o trabalho, foi compactando e adensando a massa; cada passo, auxiliado pela força da gravidade, foi trazendo e acomodando a carga ladeira abaixo. Grande apuro passei até chegar à segurança do banheiro do meu local de trabalho. Nessas horas - e por muitas destas já passei - é que agradeço por não ter nascido viado, não ter nascido com comichão no brioco e apresentar, portanto, as pregas intactas, eficientes porteiras do cu. Não estivessem em dia, todas as pregas, um desastre ecológico teria se dado.
Cheguei ao banheiro, tirei uma boa metragem de papel do rolo, dobrei-a em um grosso quadrado e forrei com ele a água do vaso : para evitar respingos e ricochetes quando a bosta atingisse a flor d´água, aquelas gotas que, com pontaria guiada por satélite, cismam de acertar bem no meio do nosso cu. A referida técnica de forrar a água da privada, aprendi com o grande mestre Porpeta, mas isso já é outra estória, fica para uma próxima.
E o alívio veio. Imediato. Um dilúvio, um delírio. Farto e denso. Daqueles que saem de uma só tacada. O que, no basquete, se chama cesta chuá, sem relar nas bordas.
Passado o sufoco, começando a secar-me o suor frio da fronte, fiquei sentado ainda por uns instantes, à espera de algum resto de troço retardatário, de um possível rescaldo.
Foi quando, no chão do espaço privado, vi um papel azul meio que dobrado meio que amassado, que me pareceu uma nota de dinheiro. Ainda sentado, estiquei o braço, alcancei o papel e desdobrei-o : era mesmo uma cédula monetária.
Uma nota de dois reais. Com singelas tartaruguinhas e a inscrição Deus Seja Louvado. Deus seja louvado! Além de receber o salário de praxe pela cagada, hoje ganhei um adicional, um bônus. Meu dia começara no lucro.
Dissipada a surpresa do achado, quis a razão se sobrepor à minha rara sorte : tal nota, perdida no chão de um banheiro de uso comum de dezenas de pessoas, estaria cheia de todos os tipos de bactérias, coliformes fecais, urinais e, quem sabe, até porrais.
Enfiá-la ao bolso ou devolvê-la ao infecto chão?
Lembrei-me, então, do caso do judeu. Diz que o judeu, ao fazer uso de um banheiro público, deparou-se com uma nota de um real jogada dentro da privada, misturada a alguns cagalhões. O judeu pôs-se a pensar se compensava enfiar a mão na bosta alheia por uma nota de um real. Concluiu que não. Imediatamente ao quê, abriu sua carteira, tirou uma nota de 100 reais e a jogou também na merda, a fazer companhia à de 1 real.
"Por 1 real não compensa pôr a mão na bosta, mas por 101 reais..." E pegou as duas notas.
Espelhando-me na milenar e cabalística sabedoria judaica e verificando atentamente que a nota, aparentemente, não fora usada, em sua natureza de papel, para outras vocações que não a de moeda, guardei-a no bolso.
Dois reais não são nada nada. Mas já dá para comprar um latão de Bavária.
Ou, ocorreu-me agora, talvez eu nem a gaste, talvez a carregue sempre ao bolso, misturada às outras. Para dar sorte. Uma espécie de moeda nº 1 do Tio Patinhas.

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