Cachaça Atômica

Mal acabara de acionar a contagem regressiva automática do novo protótipo da Bomba Gama e Dr. Robert Bruce Banner, emérito físico nuclear a serviço do exército dos EUA, vê um desatento jovem adentrar a área de testes. Interromper a contagem era impossível, emitir qualquer alerta ao jovem dali de seu laboratório, idem. Bruce Banner, então, abandona as grossas paredes e vidros à prova de radiação de seu observatório e acorre em direção ao rapaz. Sem tempo para explicar, arrasta Rick Jones - esse era o nome do rapaz - e o arremessa para o fundo de uma espécie de trincheira de proteção. Porém, quando estava, ele próprio, prestes a saltar também para a trincheira, a Bomba Gama explode às suas costas. Milhões e milhões de letais partículas gama atravessam o seu franzino corpo de cientista.
Para a sorte do doutor, ele não vive em nosso planeta Terra, pelo menos não em nossa linha de tempo ou plano dimensional. Bruce Banner habita o universo Marvel, terra das maravilhas. Assim, ao invés de ser vaporizado, desintegrado, ou, na melhor das hipóteses, derretido a uma massa cinza e disforme, ele sobreviveu. E ganhou poderes inimagináveis. Sempre que fica nervoso ou é exposto a uma situação de risco, seu DNA gamicamente alterado opera transformações : Bruce cresce, seus músculos centuplicam de tamanho, sua camisa se rasga, seus sapatos estouram, suas calças se esfarrapam, sua pele ganha tons verdes, sai Bill Paxton e entra Lou Ferrigno, e Hulk sai a esmagar e a dar seus saltos de sete léguas.
Na nossa Terra, os raios gamas são bem mais monótonos. São utilizados na esterilização de alimentos e equipamentos médicos, em radioterapia e na tomografia computadorizada.
Essa história, entretanto, está para mudar. Cientistas manguaceiros do Laboratório de Radiobiologia e Meio Ambiente do Cena (Centro de Energia Nuclear na Agricultura) da USP descobriram uma aplicação mais nobre para os raios gamas : acelerar o envelhecimento da cachaça, a famosa pinga.
Uma pinga considerada boa pode passar até 3 anos a envelhecer em barris de madeira; o mesmo resultado é alcançado em apenas alguns minutos de irradiação gama sobre a água que passarinho não bebe, garante Valter Arthur, um dos coordenadores do projeto, já com a fala meio engrolada.
O processo de fabricação não sofre nenhuma mudança, a diferença é que, depois de destilada, em vez de ir para os barris envelhecer, a cachaça já é engarrafada, e, na garrafa mesmo, é submetida a um irradiador gama. A radiação desencadeia instantaneamente reações químicas que levariam anos para ocorrer dentro dos barris de madeira, alterando pH, teor alcoólico e outras propriedades  físico-químicas da aguardente.
O maior obstáculo, segundo Valter Arthur, seria convencer as pessoas de que o consumo da cachaça irradiada é seguro. Irradiada  não é a mesma coisa que contaminada, diz. Uma vez cessada a irradiação, a cachaça pode ser prontamente consumida.
O sommelier de cachaça Jairo Martins provou da branquinha e não aprovou. A acidez ainda estava muito forte, não substitui a madeira, foi seu veredito. Sommelier de cachaça? Puta que o pariu! De vinho, ainda vá lá, é mesmo aquela coisa mais fresca, mais francesa, digamos assim. Mas de cachaça? Cachaça não se degusta, entorna-se. 
Contrariando o sommelier, a equipe toda do projeto provou exaustivamente a cachaça atômica e disse que o gosto não tem diferença. Temendo, contudo, uma possível parcialidade, e resolvida a tirar a prova dos nove, a equipe do projeto levou a cachaça para fora do laboratório e fez um teste com 40 estudantes da USP, que não detectaram a menor diferença entre a pinga tradicional e a "marvada" irradiada.
Ora, com quem  ficamos? Quem entende mais de pinga? Um sommelier de cachaça (é muita viadagem) ou estudantes universitários? A resposta é óbvia, ninguém entende mais de cachaça que estudante universitário.
Mas quem melhor para carimbar o selo ISO 9000 na cachaça gama que ele, ele que mais entende do assunto, o Incrível Hulk? O gigante esmeralda também provou da novidade e agora irá se pronunciar a respeito:
Fonte : Folha de São Paulo/Caderno Ciência

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1 Comentários

  1. Agora sim, meu velho. Falando do Hulk, cachaça e tal. Porque aquela estória de tatuar o cu foi foda!

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