Tupã Que Se Foda (Ou : Os Silvícolas de Cristo)

Dados do Censo Demográfico de 2010 revelaram que 25% dos índios brasileiros são evangélicos, predominantemente ligados à Assembleia de Deus.
A grande mídia veiculou a informação do IBGE com um tom de espanto, quase de estupefação. Não vejo razão.
Primeiro que o índio brasileiro, óbvio, é brasileiro, e o crescimento de evangélicos entre eles é proporcional ao de outros grupos da população. Desgraçadamente.
Segundo, e o principal, que não é de hoje que o índio não é mais índio.
“Ê ê ê ê / índio quer apito / se não der / pau vai comer...", já cantava a marchinha carnavalesca de Haroldo Lobo, em 1961. Mas a coisa é muito anterior aos áureos tempos de nosso carnaval.
O índio não é mais índio, precisamente, desde que Cabral aportou por essas plagas, em portos seguros. E não deixou de ser índio por força de um conquistador melhor armado. Nada disso. Deixou de ser índio porque quis. Planejadamente, eu até diria.
As tribos que receberam amigavelmente a esquadra de Cabral, não o fizeram por serem os tais "bons selvagens". Assim procederam por interesse. Puro interesse.
O índio ficou atônito e embasbacado com aquele povo estranho, e mais ainda com toda a tecnologia que ele trazia. Vale sempre lembrar que, à época do descobrimento, o índio brasileiro não conhecia sequer a roda.
O índio, que não é bobo nem nada, passou a desejar tudo aquilo para si. E o que é melhor : tudo já pronto e acabado, sem que ele precisasse dispender os menores esforços físicos ou mentais na confecção daquelas maravilhas.
Pode parecer exagerada a maneira como digo, mas não é. O conhecimento trazido pelo europeu era muito mais superior à cultura indígena do que qualquer tecnologia que algum ET, por ventura, possa nos trazer. Nós, pelo menos, conseguimos conceber a ideia de um ET, de civilizações extraplanetárias superiores à nossa. O índio, nem isso.
A chegada das caravelas, para o índio, foi um evento muito mais espantoso do que seria um desembarque alienígena hoje.
Diferente, porém, do homem civilizado - o que só mais evidencia que ele não tinha nada de puro ou ingênuo -, o índio não entrou em pânico, como aconteceria com a maioria das pessoas de uma grande cidade atual à visão do pouso de gigantescas naves-mãe.
Antes pelo contrário, o índio foi de encontro ao invasor, foi confraternizar, brasileiro é muito bonzinho (já dizia uma Kate Lira muito da gostosa) : queria as caravelas, as roupas, as armas e as ferramentas para ele - e também o apito, que ninguém é de ferro.
E como conseguir isso? Atacando e afugentando os recém chegados? Seria espantar a sorte, rasgar o bilhete premiado. Por isso, o índio tão bem recebeu o português. Por isso, ofertou-lhe sua madeira, seu ouro, suas mulheres para a miscigenação.
Em nenhuma outra situação conquistado-conquistador de que se tenha notícia, a miscigenação se deu de forma tão intensa e voluntária quanto no Brasil, nunca a putaria foi tão grande. Cabral foi o precursor do turismo sexual.
O índio, verdadeiramente, canibalizou o português, queria tudo daquele povo prodigioso, até o DNA, embora não soubesse disso. Até porque o europeu lhe pedia muito pouca coisa em troca, umas árvores, umas pedrinhas que de nada valiam ao índio, e que passassem a adorar e a rezar para o deus deles, o deus cristão.
O descobrimento do Brasil foi um negocião da China. Para o índio.
Grande merda trocar Tupã por Cristo. O índio não foi coagido à fé cristã, tampouco se sentiu vilipendiado em abraçá-la. O que Tupã dava aos índios, além de uns raios sobre suas cabeças quando estava furioso e de umas índias de peitos murchos?
O deus dos brancos, por outro lado, dava tudo aquilo que o índio estava vendo e mal acreditando. Até eu teria trocado tranquilamente de deus, se fosse um índio naquela época. Sem traumas.
Nada mudou de lá para cá. O índio não desenvolveu nenhum tipo de conhecimento ou tecnologia, continua de olho grande em tudo o que o civilizado cria, e continua obtendo tudo de mão beijada, fazendo-se de primitivo, de retardado cordial, de vítima.
Hoje, alguns caciques circulam por suas reservas a bordo de caminhonetes importadas e são grandes traficantes de madeira, pedras preciosas e animais silvestres. O índio comum, digamos assim, usa chinelos havaianas, calção de nylon da Adidas, relógio Orient no pulso e camisa da seleção com o nome do Ronaldo nas costas.
Por que o espanto, então, dele se converter à fé cristã evangélica, em formar os silvícolas de Cristo? Cristo faz parte do pacote, é só mais um item de consumo. Assim como andar com a bíblia embaixo do braço, o famoso desodorante de crente.
Para manter a farsa - e a mamata -, o índio, junto com o calção Adidas etc, anda com uns colares de sementes, que podem ser comprados em feiras de artesanato hippie,  e com cocares que podem ser encontrados em qualquer lojinha de artigos para carnaval.
Aliás, tenho quase certeza de que o próprio índio compra seus cocares nessas lojas. Um dia desses, vi a foto de um índio que participava de um protesto lá do tal do Rio +20, ele ostentava um cocar em que havia uma pena cor-de-rosa-choque. Alguém tem notícia de alguma arara ou papagaio rosa-choque? E fosforescente ainda por cima?
Que durmam tranquilos os historiadores, antropólogos e outros que tais. Nesse caso, o cristianismo não irá obliterar, desvirtuar ou destruir nenhuma cultura. Nunca houve grande coisa a ser. E o pouco que talvez tenha havido, o índio dá graças a deus - não a Tupã - de tê-la barganhado pela do homem branco, há mais de 500 anos.
E o dízimo? Como será pago? Madeira, minérios, papagaios ? Sim, com toda a certeza.
Per saecula saeculorum. Amem.

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