O Letreiro Luminoso Do Bradesco

Não tendo como assegurar 40 anos de sua existência, estimarei aqui 30 anos; e mesmo sabendo-a aquém da realidade, a essa estimativa me apegarei. O que sei é que não tenho recordações de um tempo em que um letreiro luminoso do Bradesco não encimasse um dos principais prédios do alto da cidade; do que me recordo, ele sempre esteve lá.
Era um letreiro de neon formado por lâmpadas dispostas verticalmente e que iam se acendendo uma a uma, sequencialmente, a formar o nome Bradesco, depois se apagavam e voltavam a acender, alternando com a informação da hora, de novo o nome do banco e, por fim, com a temperatura.
O neon ia e voltava, feito uma cortina. A cortina ia e o nome Bradesco surgia vermelho, ela voltava e as horas eram estampadas para quem delas necessitasse (muitas vezes, em minhas andanças noturnas a esmo, vali-me de sua precisão), ia de novo e o nome Bradesco ressurgia em mercúrio luminescente, voltava e os graus Celsius eram grafitados nos céus. Esse cerrar e descerrar de cortinas se estendia das 18 horas às 6 horas do dia seguinte.
Há seis anos, já alijado de minhas andanças pela madrugada, mudei-me para um apartamento de cuja sacada tenho ampla vista do centro da cidade, e ao citado letreiro.
Ainda que já não me arriscasse nas horas escuras, ele me foi de grande companhia. Luzes da casa apagadas, eu me sentava à sacada (ou no telhado do prédio), fazia umas palavras cruzadas, tomava uns goles, olhava, e ele estava lá, a dizer das horas; levantava-me, ia ao banheiro, beliscava um tira-gosto, tomava uns goles, olhava, e ele estava lá, a informar da temperatura; escrevia alguma coisa, ouvia um Adoniran, tomava uns goles, olhava, e ele estava lá.
Quando eu saía para o trabalho, praticamente de madrugada, era através dele que eu sabia, sobretudo no inverno, dos rigores do clima que iria encarar; até 8 graus Celsius, dispensava tranquilamente o uso de agasalho, abaixo disso, sabia da dura peleja com Ymir ao longo de meu caminho. Como saber agora? Usar apenas meus sentidos como referência, meu corpo como instrumento térmico? Definitivamente não. Meu corpo já não é confiável, há tempos que não.
Agora, coisa de um mês para cá, o letreiro sumiu, foi retirado do topo do clássico edifício. Ninguém sabe informar do ocorrido, rescisão de contrato com o banco, retirada para posterior volta de um modelo mais novo, com design mais moderno...ninguém sabe.
Era uma conversa, entre mim e ele, admito, um tanto quanto monótona, monotemática. Porém, em nada diferente de qualquer outro diálogo que eu pudesse ter com algum outro bêbado num botequim.
Força do hábito, saio à sacada e ainda miro em sua direção. Só há uma ausência no horizonte. Mas é isso mesmo, com o tempo, nosso horizonte começa a se compor de ausências.

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