Camuflagem e mimetismo são recursos visuais adaptativos dos quais os mais fracos lançam mão para confundir e fugir dos mais fortes, são logros morfocromáticos para enganar os predadores. Embora sejam tomados muitas vezes como sinônimos, e realmente existam casos intermediários de difíceis definições, camuflagem e mimetismo são conceitos bem distintos.
Na camuflagem, o animal se entremeia ao entorno, solo, rochas, folhagem, fundo de um rio ou mar; no mimetismo, ele imita uma outra espécie em particular. A camuflagem evita a detecção da presa; no mimetismo, ela é detectada, porém identificada como outra, não apetecível ao predador.
Dos vários tipos, o meu preferido é o mimetismo batesiano, onde um animal de gosto agrádavel e sem recursos mais ofensivos de defesa, como um veneno ou odor nauseabundo a exemplos, imita a forma e as cores de outra espécie, essa, sim, não-palatável, ou de odores fétidos, ou peçonhenta.
É o que ocorre entre a borboleta Monarca, de gosto amaríssimo, e a borboleta Vice-rei, de gosto agradável, mas que, ao imitar os padrões cromáticos da primeira, se safa lépida e faceira dos predadores, que nem desconfiam do bom prato que deixaram bater asas.
Outro caso, o meu predileto, é o da falsa coral - cobrinha raquítica, franzina, sem peçonha, uma merdinha que não aguenta um peido -, que imita os anéis vermelhos, pretos e amarelos dispostos ao longo do corpo da coral verdadeira, dona de uma das mais mortíferas peçonhas da natureza. Não é uma imitação perfeita, há sutil diferença na sequência de cores entre a falsa e a verdadeira; na dúvida, os animais maiores fogem da falsa coral e predadores não a importunam.
Eu também sou uma espécie de falsa coral, também mimetizo um animal muito mais forte e perigoso que eu. Mimetizo a mim mesmo, sou um cover de mim.
De mim há uns 4, 5, 10 anos, quando verdadeiramente eu era casca-grossa, espinhento, intragável, indigerível, áspero e não havia soro para a minha peçonha, eu era um perigo real e imediato.
Mas aí vieram o tempo, o cansaço, a constatação da falta de talento, a depreciação do material humano que me cai às mãos e com o qual eu trabalho, a testosterona já mais baixa, os dentes e garras já mais quebradiços e a fatal indiferença.
Não quero mais briga, contudo não quero virar presa, e a selva lá fora continua implacável, alheia aos cansaços e desânimos pessoais.
Então imito o que eu era para manter afastados possíveis desafiantes, doidos para usurpar meu cetro. Enceno, a cada momento, meus tempos glórios de força, competência e honestidade, atuo canastrão. Sou um álbum ambulante de velhas fotografias minhas, fotografias em branco-e-preto de lambe-lambe.
Sou, a bem da verdade, um canalha, mas fazer o quê? Faltam-me forças. Como à borboleta Vice-rei. Como à falsa coral.
Algumas pessoas chegam a desconfiar do meu embuste, notam sutis diferenças no padrão - como igualmente as há entre as duas corais ou entre as duas borboletas -, entretanto, por via das dúvidas, vítimas da minha peçonha que já foram no passado, preferem não se arriscar. E mantêm de mim a distância que eu tanto prezo.
Sou um caso de automimetismo batesiano, se é que isso existe.
E essa minha empulhação vem funcionando, satisfatoriamente.
Por enquanto.
Na camuflagem, o animal se entremeia ao entorno, solo, rochas, folhagem, fundo de um rio ou mar; no mimetismo, ele imita uma outra espécie em particular. A camuflagem evita a detecção da presa; no mimetismo, ela é detectada, porém identificada como outra, não apetecível ao predador.
Dos vários tipos, o meu preferido é o mimetismo batesiano, onde um animal de gosto agrádavel e sem recursos mais ofensivos de defesa, como um veneno ou odor nauseabundo a exemplos, imita a forma e as cores de outra espécie, essa, sim, não-palatável, ou de odores fétidos, ou peçonhenta.
É o que ocorre entre a borboleta Monarca, de gosto amaríssimo, e a borboleta Vice-rei, de gosto agradável, mas que, ao imitar os padrões cromáticos da primeira, se safa lépida e faceira dos predadores, que nem desconfiam do bom prato que deixaram bater asas.
Outro caso, o meu predileto, é o da falsa coral - cobrinha raquítica, franzina, sem peçonha, uma merdinha que não aguenta um peido -, que imita os anéis vermelhos, pretos e amarelos dispostos ao longo do corpo da coral verdadeira, dona de uma das mais mortíferas peçonhas da natureza. Não é uma imitação perfeita, há sutil diferença na sequência de cores entre a falsa e a verdadeira; na dúvida, os animais maiores fogem da falsa coral e predadores não a importunam.
Eu também sou uma espécie de falsa coral, também mimetizo um animal muito mais forte e perigoso que eu. Mimetizo a mim mesmo, sou um cover de mim.
De mim há uns 4, 5, 10 anos, quando verdadeiramente eu era casca-grossa, espinhento, intragável, indigerível, áspero e não havia soro para a minha peçonha, eu era um perigo real e imediato.
Mas aí vieram o tempo, o cansaço, a constatação da falta de talento, a depreciação do material humano que me cai às mãos e com o qual eu trabalho, a testosterona já mais baixa, os dentes e garras já mais quebradiços e a fatal indiferença.
Não quero mais briga, contudo não quero virar presa, e a selva lá fora continua implacável, alheia aos cansaços e desânimos pessoais.
Então imito o que eu era para manter afastados possíveis desafiantes, doidos para usurpar meu cetro. Enceno, a cada momento, meus tempos glórios de força, competência e honestidade, atuo canastrão. Sou um álbum ambulante de velhas fotografias minhas, fotografias em branco-e-preto de lambe-lambe.
Sou, a bem da verdade, um canalha, mas fazer o quê? Faltam-me forças. Como à borboleta Vice-rei. Como à falsa coral.
Algumas pessoas chegam a desconfiar do meu embuste, notam sutis diferenças no padrão - como igualmente as há entre as duas corais ou entre as duas borboletas -, entretanto, por via das dúvidas, vítimas da minha peçonha que já foram no passado, preferem não se arriscar. E mantêm de mim a distância que eu tanto prezo.
Sou um caso de automimetismo batesiano, se é que isso existe.
E essa minha empulhação vem funcionando, satisfatoriamente.
Por enquanto.
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