Os Heróis Também Querem Se Aposentar

Não vou debater nem tentar desvendar os porquês : as pessoas precisam de heróis, e ponto.
Pobres dos heróis, que não tem trégua ou sossego. Há sempre algum incapaz precisando do herói; deve se assemelhar a ser santo, mas de ser santo nada entendo, logo não me aventurarei por tais domínios.
O herói é refém daqueles que defende, protege, empresta uma grana, quebra um galho no serviço, põe o nome num trabalho de escola. E uma vez herói, tchau! Herói para sempre. Ajude um filho da puta uma vez e ele nunca mais o deixará desvestir seu uniforme, sua máscara.
Os heróis não têm superpoderes porque querem ou porque se esmeraram em conseguí-los; antes pelo contrário, se livrariam deles de muito bom grado. O herói tem poderes porque é um azarado.
O herói a nada tem direito.
O herói, porque as pessoas precisam dos heróis, tem que estar sempre com vontade de viver, não pode ficar triste ou cabisbaixo, o herói.
O herói, porque as pessoas precisam de heróis, deve manter-se jovial ou, na pior das hipóteses, envelhecer dignamente.
Quer maior maldição que essa? Não poder envelhecer indignamente como todo mundo?
Via de regra, o cara vai ficando careca, barrigudo e broxa quando ultrapassa os 40, 50 anos. Torna-se aquela figura ridícula, porém calma, tranquila, sem o menor pudor de exibir seu barrigão na rua. É o cara que já se desapegou de tudo, que já teve da vida o que dela esperou, ninguém é tão livre quanto ele. Não há figura mais representativa da serenidade, do zen, que o cara que não quer mais nada, não há símbolo melhor da placidez que o cara careca, barrigudo e broxa.
O herói, não, coitado. Tem que sempre ostentar um baita topetão (no máximo são admitidos uns fios grisalhos ao herói), manter uma forma física ágil e esguia (é obrigado a controlar a cerveja) e estar perenamente de pau em riste.
O herói, porque as pessoas precisam dos heróis, também não se aposenta. Houve apenas um relato de aposentadoria de herói, mas já faz tempo e não criou jurisprudência, que foi o caso daquele rapaz grego, meio bronco, o tal do Héracles, que recebeu a encomenda de 12 trabahos e se aposentou.
Que sorte a desse grego, 12 míseros trabalhinhos e já encostou o burro na sombra, já virou pensionista da previdência do Olimpo. É que o cara era meio que lá aparentado de Zeus, então gozava de certo prestígio e influência nos altos escalões.
Mais um caso de nepotismo no Olimpo, que era uma grande duma repartição pública, mantida pelas oferendas e sacrifícios do povo grego, para servir de cabide de emprego aos bastardos de Zeus. Grandes festas, regadas a néctar, ambrosia e bucetinhas de deusas, eram realizadas às expensas do povão. É a democracia grega em ação, não à toa ela é adotada pelos governantes atuais.
Exceto Héracles, herói não aposenta. Nem tem bucetinha de deusa à disposição.
Por isso, francamente, eu torço por uma futura humanidade mais capaz, mais ativa, mais independente. Uma humanidade que não precise de heróis.
Só assim eu terei descanso.

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