Esse Nosso Mundo De Formigas

Em o "Cavaleiro das Trevas" - de Frank Miller, 1986, a melhor história de super-herói feita até hoje, passada num futuro de data indeterminada - , os super-heróis foram obrigados a se aposentar por determinação do Decreto Keane, que proibiu a ação dos vigilantes uniformizados. Teve a permissão assegurada, somente o Superman, usado como arma estratégica pelos EUA, foi mantida a Guerra Fria na minissérie; ainda assim o escoteiro-azulão-bundão agia apenas na surdina, não tinha sua existência oficialmente reconhecida.
Seria de se supor uma revolta imediata dos super-heróis ante a promulgação de tal decreto, no entanto, houve uma pacifíca aceitação por parte dos fantasiados, o decreto trouxe-lhes, estranhamente, alívio.
Estranhamente? Até que não.
A humanidade é composta preponderantemente de pessoas pequenas, minúsculas, ridículas, elas são a maioria esmagadora. E esmagadora, aqui, não é figura de linguagem. A choldra ignóbil esmaga mesmo os que não são pequenos, os que têm habilidades e talentos especiais, seja em que área for. A gentalha, que fica espalhando a fedentina de seus suores e hálitos cariados pelos pontos de ônibus, teme e inveja os hábeis e, feito hienas, só esperam uma distração desses para esmagá-los e devorar seus ossos.
A aceitação da aposentadoria compulsória, por parte dos heróis, veio do fato de que eles poderiam sumir, abandonar suas máscaras, serem desconhecidos e, principalmente, não mais alvo da inveja dos sem poderes.
O único a se opor foi Bruce Wayne, o mais fraco deles, o único sem poderes mágicos, e que depois de 10 anos de inatividade (a minissérie começa ser narrada desse ponto), resolve voltar a ativa, envergar mais uma vez o manto do morcego. E o fez com grande estardalhaço, com fulgurantes pirotecnias. Ele lembrou aos anões da existências dos gigantes. Foi a sua desgraça. Começou, a partir daí, uma caçada ao morcego, ele se tornou um risco político.
"A cada ano que passa, eles ficam cada vez menores. Não devem ser lembrados de que gigantes caminham entre eles. Mas você tinha que estragar tudo, né, Bruce?", diz um Clark Kent cansado a um Batman em êxtase pela volta, um Superman exausto, também desejoso de se aposentar, com o azar de ser poderoso demais para usufruir tal privilégio. O resto da história, vocês que leiam.
Sou professor, há 15 anos, e a cada ano que passa, os alunos - e seus pais, acho que até mais os pais - ficam cada vez menores. A cada ano, cada vez mais tacanhos, medíocres, desinteressados, burros, catatônicos e, o pior, cada vez mais orgulhosos de sua ignorância.
Eu mesmo, como professor, apenas ligeiramente acima da média, sofro com fofocas e maledicências de alguns meus "pares", um bando de fihos das putas que não tem minha habilidade e nem tem como me atacar no aspecto profissional, partem para as falácias, inveja do pequeno; o professor fica menor a cada ano, também.
Acabei de ter um filho.
A tentação de ser pequeno é enorme. O pequeno é feliz, é sempre bem-vindo, é convidado para as festas, sempre aparece rindo nas fotos, não morre de infarto.
Acabei de ter um filho.
E lutarei junto com ele contra suas eventuais fraquezas em querer ceder à tentação de ser pequeno, lutarei com ele contra as "vantagens" que um mundo cada vez mais globalizado (cada vez menor, por conseguinte) oferece aos medíocres, aos desprezíveis, aos consumidores em massa, lutarei junto com ele contra a felicidade fácil do burro.
Meu filho será um homem de elevada estatura, ensinarei-o a desprezar e se precaver contra os pequenos.
Meu filho será portentoso.
É o legado que pretendo deixar a ele.
Esperando que não se torne também a sua maldição.

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1 Comentários

  1. Se puder um dia republicar esse, dou total apoio. Penso parecido, mej primeiro filho fez um ano recentemente, pela data que publicou esse, teu menino já deve tá com uns 10 anos.

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