Chico Amarelou Frente aos Vermelhos

Chico Buarque amarelou frente à comunistada. Acovardou-se diante da nefasta doutrina que sempre defendeu e professou - se algum dia a praticou de fato, é uma outra história. Chico jogou vergonhosamente a toalha já no primeiro round contra o politicamente correto, contra o Ivan Drago do cancelamento.
Chico "decidiu" não mais cantar uma de suas mais belas canções, a Com Açúcar, Com Afeto, por suas conotações supostamente machistas.
Caso alguém não seja desse planeta, caso alguém não conheça a canção, ela trata de um dia na vida de uma dona de casa cujo marido malandrão e folgado sai cedo de casa a dizer que irá em busca de trabalho, mas que fica vadiando pelas ruas, pelas praias e rodas de samba com os amigos em botecos. E quando o safado chega em casa tarde da noite, faminto e exaurido pela esbórnia, ele encontra não uma mulher carrancuda a brandir um rolo de macarrão, sim uma amélia a lhe esperar de braços abertos e com um prato de comida pronto. 
Ao fim da música, composta por Chico em eu-lírico feminino (a sua maior especialidade), a mulher diz : e ao lhe ver assim cansado, maltrapilho e maltratado, como vou me aborrecer? Qual o quê... logo vou esquentar seu prato, dou um beijo em seu retrato e abro meus braços pra você.
Bonita pra caralho! Triste, também; como a maioria das coisas belas. Quem disse que o triste e até o cruel não podem ser belos? Se não pudessem, poucos de nós suportariam a realidade.
E Chico não está dizendo que concorda com a submissão da dona de casa de Com Açúcar, Com Afeto, nem que a condição dela seja algo aceitável, desejável e normativa. Chico apenas narra a letra da música, sem nenhum tipo de julgamento de valor. Aliás, nem é Chico quem canta, é a mulher.
Chico, dizem, é um dos melhores tradutores e intérpretes da alma feminina, o cara cujos versos têm o poder de fazer abrir quaisquer pernas, são um abre-te-sésamo de xavasca. Ora, porra, exceto nas novelas da Globo e nas vidas das feministas suvacudas, que não possuem um pinto pra chamar de seu, as vidas das mulheres reais, de carne e osso, são permeadas, contaminadas e, muitas vezes, fustigadas pelo machismo. E mais ainda eram nas décadas de 1960, 1970, época em que Chico compôs a música.
Assim, como Chico poderia ter bem retratado o cotidiano de uma mulher comum, de uma dona de casa das décadas de 1960, 70 se tivesse subtraído dele o onipresente machismo? Seria até desonestidade do artista.
Chico não inventou a circunstância descrita em Com Açúcar, Com Afeto. E parar de cantá-la, óbvio, não a eliminará da sociedade e das relações amorosas. A música não inspira ninguém a ser canalha, ou submissa. Parar de cantá-la, não fará certos ordinários deixarem de ser machistas; nem fará libertar todas as amélias do jugo de um relacionamento desigual.
Chico é macho das antigas, gosta (e muito) do artigo mulher. Ao compor e cantar músicas que expõem o machismo, Chico presta um favor e uma contribuição muito maiores às mulheres e ao, com perdão da má palavra, feminismo do que deixando de escrevê-las e interpretá-las, do que deixando de denunciá-lo, do que se calando. Afasta de mim esse cálice, Chico.
Sim, pois a música Com Açúcar, Com Afeto, ao meu ver, é claramente uma crítica, uma denúncia contra o machismo, não uma apologia a ele. Da mesma forma, a clássica Mulheres de Atenas, recheada da mais pura e fina ironia. Mas para enxergar isso, deve-se ser capaz de ler nas entrelinhas, de ler o subtexto, ou seja, deve-se ser minimamente letrado. Coisa que essa atual geração de esquerdistas, nascida e amamentada na cartilha do PT e nas tais pautas progressistas, claramente não o é. Estão longe, muito longe disso, aliás.
E no meio desse imbróglio, Chico tentou safar-se com uma declaração, essa sim, com laivos machistas. Disse que a iniciativa de escrever Com Açúcar, Com Afeto, não partiu dele, não foi sua ideia, que a música foi feita sob encomenda, a pedido de Nara Leão.
Chico jogou a culpa (que culpa?) para cima de Nara Leão, uma mulher. Igual ao Lula, que jogou a culpa (nesse caso, sim, culpa) do Triplex do Guarujá nas costas da esposa, Dona Marisa Letícia Enfiem-as-panelas-no-cu, um modelo de finesse e de primeira-dama.
Chico Buarque, reza a lenda construída em torno dele, lutou contra a Censura do Governo Militar, estoicamente, nunca cedeu ou se rendeu a ela. Agora, pelo visto, capitulou frente à censura dos seus, à ameaça do cancelamento, à mordaça da esquerda, da qual sempre foi dos mais célebres garotos-propaganda, quedou-se de joelhos aos vetos dela.
O pior é que temer e ceder à censura alheia e aleatória costuma instalar no sujeito a pior e a mais irreversível das censuras, a autocensura. A autocensura não prejudica, inibe, tolhe e solapa apenas as presentes e futuras criações do artista, mas pode fazer com que ele renegue e apague parte de sua obra passada, de seu legado. E Chico tem um imenso e mais que respeitável legado.
Mas talvez não seja nada disso. Talvez a decisão de Chico retirar Com Açúcar, Com Afeto do repertório de suas apresentações, não tenha nada a ver com cobranças feministas ou questões ideológicas. Acho mesmo que Chico está cagando e andando para ideologias. Talvez a decisão do velho bardo tenha se dado apenas no sentido de evitar polêmicas e "debates" inúteis e  infrutíferos em torno de sua pessoa, de evitar cair em bocas de Matildes. Talvez Chico esteja tão-somente a comprar seu sossego. De mais a mais, Chico, segundo ele próprio, nunca gostou muito de fazer shows, acho que, se pudesse, não deixaria de cantar apenas Com Açúcar, Com Afeto, mas sim todas as suas músicas.
Talvez Chico só esteja querendo tranquilidade para desfrutar de seus derradeiros anos a flanar pelas ruas parisienses, a escrever seus livros em seu apartamento na capital francesa, refúgio, diga-se de passagem, mais do que merecido, dada a grandeza de sua obra. Talvez Com Açúcar, Com Afeto tenha sido o boi de piranha sacrificado por Chico para se manter longe do mugido, da algazarra e da língua do populacho.
Se for esse o caso, respeito ainda mais o sujeito.

Com Açúcar, Com Afeto
(Chico Buarque)

Com açúcar, com afeto
Fiz seu doce predileto
Pra você parar em casa
Qual o quê!

Com seu terno mais bonito
Você sai, não acredito
Quando diz que não se atrasa

Você diz que é um operário
Sai em busca do salário
Pra poder me sustentar
Qual o quê!

No caminho da oficina
Há um bar em cada esquina
Pra você comemorar
Sei lá o quê!

Sei que alguém vai sentar junto
Você vai puxar assunto
Discutindo futebol

E ficar olhando as saias
De quem vive pelas praias
Coloridas pelo sol

Vem a noite e mais um copo
Sei que alegre "ma non troppo"
Você vai querer cantar

Na caixinha um novo amigo
Vai bater um samba antigo
Pra você rememorar

Quando a noite enfim lhe cansa
Você vem feito criança
Pra chorar o meu perdão
Qual o quê!

Diz pra eu não ficar sentida
Diz que vai mudar de vida
Pra agradar meu coração

E ao lhe ver assim cansado
Maltrapilho e maltratado
Ainda quis me aborrecer?
Qual o quê!

Logo vou esquentar seu prato
Dou um beijo em seu retrato
E abro os meus braços pra você.
Para ouvir a música, é só clicar aqui, no meu poderoso e machotóxico MARRETÃO.

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7 Comentários

  1. Coincidentemente ou não, vi uma fração infinitesimal do documentário sobre a Nara Leão que a Globo exibe ou exibiu recentemente. Nesse trecho a própria Nara declara ter pedido ao Chico uma música de mulher corna (Com açucar e com afeto) e que sempre gostou de cantar musicas desse tipo, citando "Camisa Amarela" do Ari Barroso e mais uma que esqueci. Então, foi realmente uma música sob encomenda. Agora, é triste demais você abdicar de sua obra para atender novos comportamentos de novos tempos. Eu, se fosse ele, continuaria a cantar a música, esclarecendo no início tratar-se de crítica, não de louvação ao machismo. Ou não diria nada e mandaria todo mundo tomar no cu. Porque patrulhamento é foda, é inaceitável (tal como aconteceu com ele no início do governo Bozo ou final do Temer, quando o pessoal de direita começou a vaiá-lo nas ruas por sua postura de esquerda). Será que algum dia teremos tolerância neste país de gente "cordial"? Foda!

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    1. Pois é, concordo com você. Eu mandaria todo mundo tomar no cu e pronto. Mas talvez seja o apego do Chico ao personagem Chico, quem sabe até alguma preocupação de como o nome dele passará à história, sei lá.
      Nesse ponto, sou muito mais o Raul que o Chico : entrar pra história é com vocês.
      E essa história do homem cordial, sempre muito mal interpretada, coincidentemente ou não foi uma expressão cunhada pelo pai do Chico. Cordial não é sinônimo de gentileza, de amabilidade; cordial, vem do grego kardia, coração, cordial é o homem que se guia e reage ao mundo através das emoções e não da razão.

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  2. Diria que amarelou frente ao imperialismo feminino-burguês. Na medida em que um músico não possa cantar a realidade de diversas mulheres por conta de um padrão estético musical que incomoda mulheres ricas, o absurdismo já está imperando no campo progressista. Imagina se descobrem o SkyLab!!!

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    1. É um ponto de vista interessante, o seu.
      Quanto ao Skylab, essa é a vantagem do cara não ser famoso, não cair no gosto popular. E a empadinha de camarão me lembra tanto uma bucetinha...

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  3. Só agora vi esse texto, (que também uma republicação, falando nisso, conseguiu ver a nova versão do Rocky IV?) eu escutei todos os discos do Chico Buarque, em ordem cronológica ainda na adolescência, sou um grande fã de boa parte deles, e isso até me inclinava pro lado mais "revolucionário de ser", de todas as músicas dele, a única que de fato sempre vi como incentivo a submissão da mulher perante a canalhice do marido é a "Mulheres de Atena".
    "Com Açúcar e com afeto" deixa bem claro um casamento caído no marasmo, que sobrevive de uma nostalgia por parte do casal, mais pelo lado da mulher, que fica presa a uma imagem da "era de ouro" do marido, do que na atual. Chico (ou quem tenha escrito essas músicas para ele, não boto minha mão no fogo que ele escreveu todas que disse que escreveu) sempre tratava muito desses temas, fosse o divórcio dolorido com o "Atrás da Porta" ou mesmo a fagulha das coisas voltarem a ser como antes, com aquela do "Um dia ele chegou tão diferente de sempre chegar...". Me chama a atenção como esses caras como Chico e outros escrevem músicas zombando da polícia, de qualquer autoridade, de valores morais e agora, depois de velho vem com esse papo de "macho em desconstrução". Mano Brown mesmo, do Racionais, outro que escutei todas as músicas, fazia várias delas só descendo o pau na polícia e por vezes justificando o mundo do crime, mas seu arrependimento? Também ter sido machista por uma música chamada "Estilo Cachorro", onde ele narra sem meias palavras uma realidade presente até hoje, de mulheres que dispensam caras que querem algo sério para se aventurarem com vagabundos que a espancam e fazem outras atrocidades. A citar a metrada final da letra, atual até hoje:
    "...Fale o que quiser, o que é, é
    Verme ou sangue-bom, tanto faz pra mulher
    Não importa de onde vem, nem pra que
    Se o que ela quer mesmo é sensação de poder
    Com um ladrão fez rolê, se envolveu sei lá, saiu
    Mas o homem não abriu, curtiu, quem viu, viu
    Em Maio foi vista de RR a mil
    Na BR, no frio, com boyzão da Civil
    Viu uns e outros aí, bom rapaz
    Abre o coração e sofre demais
    Conversa com os pais ali no sofá da sala
    Ouve e dar razão enquanto ela fala, e fala
    Cai no canto da sereia
    Vê que ele é firmão igual um prego na areia
    Prego, jogou o ego dentro de um buraco
    Um Bon vivant jamais mostra o ponto fraco
    Pergunte a Sansão quem foi Dalila
    Ouça o sangue-bom Martinho da Vila
    De vários amores, de todas as cores
    De vários tamanhos, de vários sabores
    Quanto mais tem, mais vem, se tem, maravilha
    PMG, morango e baunilha
    Não é por nada, sem debate, sem intriga
    (Minha cara) é um chocolate, (hum, é o que liga)
    Mas 'cabou, 'cabou, sem tchau, nem bilhete
    Cê quase se mata por amor ao sorvete
    E ele tava em punga
    Pra levá-la no trampo lá na Barra Funda
    10 graus, cinco da manhã, sem problema
    Se ela não morasse em Diadema
    Pontual como o Big Ben, quatro ano assim
    Nem Shakespeare imaginaria o fim
    Te trocou por um vadio, sem vergonha
    Que guenta até a mãe quando acaba a maconha
    E ela diz que é feliz, que ele é cabuloso, sim
    Pisa pra caraio', moscão pegajoso
    Mulher finge bem, casar é negócio
    Cê vê quem é quem só depois do divorcio
    Hei, hei, neném, de amor eu não morro
    Vocês consagraram o estilo cachorro."

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  4. Olá, Marreta.
    Esse "eu-lírico feminino", para mim, é a velha "canção de amigo". Técnica poética que vem dos antigos trovadores (ou mais distante ainda)! E Chico sempre se destacou nisso, realmente. Aliás, adoro a música de Chico. Acho que ouvi todos os seus discos. Certamente, não gosto do Chico como pessoa. E isso tanto faz porque sou insignificante para ele e ele, como pessoa pública, se mostra um merda. Uma atitude como essa evidencia o merda que ele é, produto da politicagem mequetrefe com uma agenda que muda ao sabor do momento e precisa ser cumprida por todos os seguidores dessa ideologia mórbida.

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