Cusqueña, a Boa e Barata Peruana

Eu a vinha observando há algum tempo, de soslaio, com olhadelas furtivas sempre que eu entrava numa quitanda aqui perto de casa, que também mantém, lá num canto mais ao fundo, um pequeno empório improvisado no qual são vendidos queijos, bacalhau, frutas secas e cristalizadas a granel, temperos e especiarias desidratados, grãos variados, esfihas pré-assadas, coalhada seca, tahine etc. 
Em meio a esse pequeno bazar de Istambul, ela, a cerveja Cusqueña, em sua lata dourada e rutilante com os imponentes Andes estilizados em seu rótulo. Cusqueña, que - demorou-me a cair a ficha - é o gentílico feminino para os nativos de Cuzco, Peru, nada mais nada menos que a antiga capital do Império Inca. Cusqueña, certamente confeccionada com a mais pura água de degelo dos Andes; provavelmente criada pelos mestres cervejeiros do imperador Pachacútec.
Apesar do fetiche e das fantasias que a exoticidade de uma estrangeira costuma suscitar em nossas libido e sem-vergonhice, não a comprei logo de cara, não capitulei de primeira à sua sedução. 
Não sou xenófobo. Tampouco e menos ainda xenófilo; não sou nem nunca fui paga pau e baba ovo de gringo. Sempre tive e trouxe cá comigo que produto importado não é, necessariamente, sinônimo de artigo de boa qualidade. Assim como o Brasil, o Peru, e qualquer outro país, deve produzir cervejas muito boas e cervejas muito ruins.
Além do mais, se por um lado, ainda que o preço pedido pela lata de 355 ml da Cusqueña na quitanda, é bem verdade, não se configure no desaforo, exorbitância e abuso cobrado por muitas importadas, por outro lado, também não a qualifica exatamente para figurar no panteão das minhas boas e baratas. R$ 2,95 a latinha.
Ontem, porém, ao passar minhas compras pelo caixa, notei uma latinha da Cusqueña colocada bem ao lado da máquina registradora, a propósito mesmo de promovê-la a cada um que por ali transitasse. Resolvi levar uma, apenas uma para experimentar e talvez guardar a latinha na minha pequena e confusa coleção. Perguntei pro cara do caixa, que também é o dono da quitanda, se a cerveja era boa. Disse-me que ele próprio não bebia, mas que a cerveja tinha uma boa saída, que vários fregueses que a experimentaram voltaram para buscar mais. Claro que ele não falaria que ela era ruim, nem sei por que perguntei.
Então, em seguida, ele baixou o volume da voz, modulou-a ao tom de quem conta um segredo, correu os olhos à volta e confidenciou que o preço de uma latinha era R$ 2,95, mas a data de validade do lote da Cusqueña expirara no dia 17/12, tanto que se eu a procurasse por ali, só encontraria mesmo aquela amostra no caixa, ele havia retirado o produto ali da área de vendas justamente por conta do seu vencimento, guardara tudo na câmara fria no fundo do estabelecimento e que, se eu quisesse, ele estava liquidando o produto por 10 reais cada fardinho com 6 latas.
Garantiu-me que, segundo o fornecedor, há uma margem de segurança de aproximadamente dois meses entre a data de vencimento impressa no produto e a sua real deterioração.
Porra!!! Na minha família, eu sou conhecido como o rei da mercadoria vencida. Tomo iogurte vencido, e é bom porque ele vira até uma coalhada de vez em quando. Como muçarela vencida, com aquela camada branca de fungo na superfície, e é bom porque paguei preço de muçarela e acabo comendo queijo brie. Macarrão, bolacha, chocolate, embutidos, gelatina, café... venceu a validade, eu traço!
Não iria, eu, tomar a Cusqueña? Vencida há nem duas semanas? Claro que eu iria! Fiz as contas na hora, ato reflexo. Dez reais divididos por seis : R$ 1,66666666.... a latinha de 355 ml!
Pããããããta que o pariu!!!!! Aí, fica fácil. Aí, é dar sopa pro azar. Pro Azarão! Comprei um fardo com seis latas.
Ao chegar em casa, antes de pô-las pra gelar, fui conferir as informações do rótulo e constatei que, de fato, tirara a sorte grande. A Cusqueña é puro malte do tipo Golden Lager, cerveja de um amarelo bem escuro, intenso, mais encorpada, frutada sem ser cerveja de frutinhas, 5,5% de teor alcoólico. Do mesmo tipo que era a Proibida Puro Malte da latinha preta, também boa e barata, substituída, desgraçadamente, por uma nova versão em uma lata dourada e branca : corram dessa, ainda que esteja em tentadora promoção, ela virou uma Pilsen das mais aguadas que já provei, pura água de batatas.
Uma vez gelada, deitei-a ao meu poderoso canecão e entornei. Que macho das antigas não degusta, entorna. Boa. Muito boa. Boa pra caralho. Boa igual à Juliana Paes na propaganda da Boa. E barata. R$ 1,66 a latinha. O gosto e odor lembraram-me também, além da já citada Proibida Puro Malte rótulo preto, um pouco a cerveja Cacildis.
Minha esposa, ressabiada e receosa de que a cerveja vencida pudesse lhe causar algum revertério colateral, preferiu não se arriscar. Melhor. Sobrou mais para mim.
Como ontem foi sábado e a quitanda só funciona até o meio-dia e hoje é domingo e ela não abre, não houve, infelizmente, como eu comprar mais uns dois fardinhos, pelo menos, um para o sábado à noite e outro para hoje. Mas amanhã, no mais tardar na terça-feira, eu volto lá, pãããããta que o pariu se eu volto. Para arrematar o estoque!!!

Postar um comentário

2 Comentários

  1. Em BH existe um supermercado especialista (não necessariamente especializado) em vender produtos próximos do vencimento. às vezes até no dia do vencimento. Imagino que o dono deve ter alguma treta com a Sadia, pois a maioria da promoções é dessa marca. Graças a essa característica uma amiga paulista o apelidou de "Vencidinho". Para nós não existe mais o nome oficial. Com a pandemia, paramos de dar incertas no supermercadinho.
    Mudando de assunto, cuidado ao elogiar a cerveza peruana, para não ser mal interpretado. "Tomei a Cusqueña" pode virar "tomei NA Cusqueña". É ruim!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Rapaz, esse "Vencidinho" é uma ótima ideia! Eu ia ser freguês habitual.
      É, a Cusqueña dá margem a essas não só a má interpretações como a interpretações maldosas. Ainda mais que originária do Peru, o país que não é país, é um trocadilho.

      Excluir