A Nova Caneca do Azarão

Nunca cogitei, nem sequer na adolescência, quando temos o direito de ser inocentes, puros e bestas, de abraçar o comunismo, o socialismo, ou qualquer outra ideologia assemelhada, dessas que, em discurso, pregam a justiça social, a igualdade social e outras utopias e desatinos, e que, na prática, acabam apenas por distribuir igualmente a miséria entre o povo e a concentrar a dinherama na mão da alta cúpula. Nunca.
Não obstante, sou um dos mais poderosos e mortais inimigos do capitalismo na forma que ele se nos apresenta. Não de forma proposital e planejada, não porque o queira mal, não porque eu o considere selvagem e opressor (ele é tão-somente a seleção natural, da qual nos excluímos, na forma de um sistema econômico, só isso), muitos menos, como já disse, por questões ideológicas.
Sou letal e involuntário adversário do capitalismo por meus raquíticos hábitos de consumo. Quase que monásticos. Se todos, ou ao menos a grossa maioria, consumissem aos meus moldes, o capitalismo viveria uma eterna pandemia, viveria na fase vermelha o tempo todo. Ou teria que se remodelar.
Do que tenho, tenho só para o uso. Não acumulo. Não coleciono. Não tenho sobressalências.
Calças compridas : tenho (e sempre mantenho esse número) três; uma melhorzinha, para sair (embora eu nunca saia) e duas para o dia a dia, para "bater". Enquanto uso uma, a outra está lavando. Uso-as até não ser mais possível utilizá-las, aí quando chegam a esse ponto, ainda as uso mais um pouquinho. Rasgou, eu remendo etc. A última, eu comprei há 5 anos.
Bermudas : também três; duas para o dia a dia (mesmo esquema da calça, enquanto visto uma, a outra está lavando) e uma de náilon ou material parecido, para entrar na água com meu fillho, quando, raramente, vamos a algum lugar que tenha piscina.
Sapato : não tenho.
Tênis : dois; um mais caprichado e o outro para o cotidiano, usado igualmente as calças, até que se lhes esgotem todas as possibilidades, quando não dá mais para tapar os buracos da sola e remendar o tecido esgarçado. Só, então, compro outro par.
Cuecas : uma para cada dia da semana. E já é muito, e ainda sobra, visto que não as uso nos fins de semana.
Camisas : social, não tenho. Entre camisetas e camisas de gola polo, devo contabilizar umas quinze. Uma enormidade, eu sei. Também acho um exagero e jamais teria chegado a esse montante se só eu as comprasse. É que, volta e meia, na esperança de que eu me desfaça de alguma camiseta já mais usada, minha esposa compra umas para tentar realizar essa barganha. Claro : eu não me desfaço das velhas, e elas, então, vão ganhando número. Tenho camisas polo de oito, dez ou mais anos.
Um único luxo. Um único bem de consumo o tenho em excesso, em  número maior do que posso usar, que compro sem que haja a necessidade de uma reposição por desgaste ou quebra do que já possuo : canecas de cerveja.
Teoricamente, eu só precisaria ter uma delas no armário. Uma segunda só sendo adquirida na eventualidade da primeira quebrar. Pois as possuo em número de dez; agora, onze.
Gosto de comprar canecas de cerveja quando:
1) Faço alguma viagem. Nessas ocasiões, a acompanhar a esposa pelas infindáveis lojinhas de artesanato e de lembrancinhas, fico sempre de olho, sempre buscando por alguma caneca diferente, que valha a pena somar à minha coleção. Tenho uma de cerâmica (500 ml) com a estampa da bandeira argentina, de quando estive em Buenos Aires. Duas, uma de louça e a outra de vidro, ambas com 500 ml de capacidade, da Cervejaria Fritz, de Monte Verde (MG). Outra, de vidro (500 ml), da Cervejaria Baden, de Campos do Jordão (SP). Duas outras, também de vidro, da Cervejaria Rasen, de Gramado (RS), uma de 500 ml e a outra de 1 litro, o meu Santo Graal.
2) Quando abre alguma nova loja de departamentos na cidade, dessas de inutilidades domésticas. Tenho uma de 300 ml comprada no Leroy Merlin e outra de 500 ml (uma das minhas preferidas) comprada na Sodimac Homecenter. Já comprei caneca até em brechó, uma de 500 ml, de louça, da 1º Festa Regional da Cerveja de Ribeirão Preto, promovida pelo Lions Clube, em 1967, ano do meu nascimento; a caneca está muito mais conservada que eu.
E ontem, eu comprei a minha 11ª caneca. Há alguns meses, abriu uma grande loja de departamentos, A Casa Shopping Variedades numa das marginais de uma rodovia que passa pela cidade, e pela qual eu costumo fazer minhas caminhadas. Depois de ter passado por ela sei lá quantas dezenas de vezes, ontem, resolvi entrar e dar uma olhada na seção de copos.
Dei de cara com uns três ou quatro modelos de caneca. Um deles me interessou. Confeccionada em vidro reforçado e robusto, 500 ml de capacidade. Não havia, porém, o quanto ela custava, nenhuma indicação visível de seu preço. Os modelos menores, de 300 ml, estavam por R$ 12,99. Estimei uns 15 reais pela maior e saí pela loja a procurar um daqueles leitores de código de barras que ficam nos corredores. Não achei nenhum. Eu teria que falar com algum funcionário. Emputeci-me.
Mas foi a minha sorte. Não existiam mesmo leitores pelos corredores e a menina com quem falei me levou para os fundos da loja, onde havia duas caixas registradoras. Eu estava certo : R$ 14,99. Considerei um preço razoável, pelo tamanho da caneca e pela qualidade do vidro. O melhor, sem que eu desconfiasse, estava por vir. A menina, me mostrando uma etiqueta no fundo da caneca, em letras miúdissimas, próprias para sacanear velhos, disse que aquele preço era pelo conjunto de duas canecas.
Pããããããããta que o pariu!!!! Melhor ainda! R$ 7,50 por cada canecão. Uma pechincha!
Ei-la. Já em uso. Já a combater o bom combate.
Cabe um latão. Certinho.

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8 Comentários

  1. Pelo que imagino, você é quase um ermitão, um monge na clausura. E pela frugalidade dos hábitos é quase um frei. Um novo Frei Caneca!

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    1. Pãããããããta que o pariu!!! Frei Caneca foi genial.
      E eu que achei que tava subindo de nível com o meu "arqueo da velha"... mera ilusão.
      És insuperável, Jotabê.
      Mas tô fora de ser o Frei Caneca, que morreu fuzilado amarrado num pau!!!

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    2. Fuzilado ainda vá lá, mas amarrado a um pau é foda. Pior é que ainda poderia ganhar o apelido de Jabuticaba!

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    3. Mais triste destino teve o Bispo Sardinha, comido pelos índios. Ou não. Sei lá. Vai que o Bispo fosse chegado num pau-brasil.

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  2. Diferente de vc, simpatizei com o comunismo durante toda a juventude.

    Já tive poucas roupas, mas aos poucos (mas devido à influência da atual esposa) mudei isso. No momento, tenho roupa etiquetada que nunca usei. Mas está guardada. Um dia usarei.

    O capitalismo que temos é de compadrio. Mas entendo bem sua aversão ao regime de consumo exacerbado. Mas é aquela coisa: cada um com seus interesses. No fundo, sempre temos algumas vaidades e, no final das contas, precisamos gastar dinheiro em bobagens até pq ele não irá para o túmulo conosco.

    Legal seu acúmulo de canecas por onde anda.

    Continuamos aqui admirando seu caneco.

    Abraços!

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  3. Me lembro com nitidez das eleições presidenciais de 1989. Aos 16 anos votava pela primeira vez. Como sempre gostei de história, era fascinado pelo período militar e pelo pessoal da luta armada. Li emprestados da Biblioteca Municipal "O que é isso companheiro?", "1968", "Os Carbonários", "Brasil nunca mais" e por aí vai. Poderia ter sido doutrinado mas não fui, as peças nunca se encaixaram para mim, felizmente.
    A família era dividida entre Collor e Lula, uma guerra que nem de perto chegava a polarização política de hoje. Mas mesmo guri, eu já achava o Lula um vagabundo e o Collor dava todas as mostras de ser um pilantra fabricado pela mídia. Vestibulando, era leitor voraz da Folha de SP, um jornal sério até então. Votei no Covas no primeiro turno e nem fui votar no segundo. Depois tivemos um período de 20 anos de relativa estabilidade econômica no Brasil e no mundo até começarmos a afundar na merda e, dado o nosso capital social hoje, não acredito que vamos sair dela. Grande abraço!

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    1. Exato. Para mim, as peças também não se encaixavam. Li também "O que é isso companheiro" e o "Veias Abertas da América Latina", outro clássico de merda da literatura comunista. Nenhum deles me convenceu. Eu tinha já 22 anos em 1989, mas foi aos 16 que tive certeza do canalha que o Lula, então à frente do sindicato dos metalúrgicos, já era. Eu morava em S.J. dos Campos na época e convivia na escola com muitos filhos de operários de montadoras de automóveis. E foi o pai de um deles, um japonês daqueles bem sérios mesmo, que, num sábado em que fui fazer um trabalho de escola com o filho dele em sua residência, me contou quem era o Lula. Me contou, entre outras coisas, que a especialidade do sapo barbudo era vender greve para os patrões. Todas aquelas greves eram negociadas entre o patronato e a cúpula do sindicato. Foi a primeira fonte de enriquecimento do safado. Ele convocava a greve e quando ela já tinha atingido o objetivo dos patrões, ele entregava os companheiros. .
      Outra coisa que concordo com você : dado o nosso capital social de hoje, essa escória moral em que o brasileiro foi sendo tornado pelos "direitos" dados a ele por essa Constituição Cidadã do outro safado Ulisses Guimarães, também não acredito que iremos sair da merda.
      Abraço.

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