A figuraça da cerveja-feira de hoje foi uma das primeiras que me ocorreram para a seção, porém, como aconteceu com muitas outras, foi muito difícil encontrar uma foto dele bebendo a cerveja a que tanto se dedicou em vida e que tanta inspiração já imprimiu às suas muito mais que bem traçadas linhas : João Ubaldo Ribeiro.
Mesmo a foto que reproduzirei abaixo não me satisfez por completo. Não mostra João Ubaldo com o copo de cerveja na mão, mas distante dele em uma mesa, e com um copo de uísque interposto entre eles.
O que justifica e avaliza a publicação da foto é o fato de Ubaldo estar a trajar uma camiseta da Brahma e se fazer acompanhado por um dos maiores gênios e intelectuais deste país, Millôr Fernandes. O cerveja-feira de hoje é dois-em-um.
Imagine só se sentar à mesa com esses dois? Imagine só as conversas fiadas de alto nível, imagine só os comentários espirituosos, hilários e brilhantes que colheríamos numa noitada com eles. Eu não precisaria nem beber!
João Ubaldo gostava tanto de cerveja que a Antarctica - não consegui determinar em que ano - encomendou uma peça publicitária ao bom baiano. Um slogan? Uma frase de efeito? O caralho! João Ubaldo escreveu foi uma crônica sobre a cerveja. Uma crônica com muita bebedeira e cornagem. E a Antarctica bancou a publicação. Em página dupla de revistas como a Veja. Hoje, isso seria impraticável. Primeiro porque gigantes do tope de Ubaldo e Millôr não estão mais entre nós, e outros não surgiram a lhes fazer sequer embaçada semelhança. Nem surgirão. Segundo, quantos leriam uma propaganda dessa hoje em dia? Até mensagem de twitter já está a cansar essa geração de merda, que só "lê" emojis e olhe lá.
Não consegui reproduzir a imagem da propaganda em um tamanho que permitisse a sua boa leitura; então, transcrevi o texto todo logo abaixo dela.
"A mulher da ilha sempre foi muito despachada e desde a Guerra da Independência que ostentamos grandes heroínas, cada qual mais valente que a outra, inclusive a famosa Maria Felipa, que cobriu os portugueses de cacete em 1823. Então a mulher da ilha jamais admitiu essa frescura que existia antigamente, de moça de família e senhora casada não poderem beber cerveja na rua. A mulher da ilha sabe combinar a liberdade com a boa educação, de maneira que aqui nunca houve problemas como em Salvador, namorados e maridos proibindo cerveja às mulheres, enquanto ao lado eles mesmo se esbaldavam. A mulher da ilha não só é grande companheira e vai na onda do homem dela, como também, pela tradição do heroísmo, não se curva facilmente ao despotismo.
Assim, ninguém estranhava que Luciano Quibe Frito sempre reunisse belas moças e jovens senhoras para rodadas e mais rodadas do casco escuro que mandava buscar aos engradados. Rico milionário que gastava quase um frasco de sabão Aristolino em cada banho, pagou a Nadinho para instalar uma geladeira a querosene privativa no Café e Bar Flores do Bem e, mesmo quando corriam meses faltando verba para o óleo do gerador da Prefeitura e só quem enxergavam de noite eram os sarigües, nunca deixava de servir sua casco escura estupidamente.
Não se punha em questão a bondade do coração de Quibe Frito, pois todo mundo sabe que esses árabes de Itabuna são gente muito derramada, que não tem pena de dinheiro e faz tudo pelos amigos. Mas também se sabe que vem do sangue árabe almejar ter centenas de mulheres. Enquanto está se tratando de moças sem compromisso, com pais amoderados, não há motivo para preocupação na coletividade.
Quando Quibe Frito, até hoje assombrando os mais velhos pela sua ligeireza, levou para tomar cerveja em casa a fina flor da mocidade feminina, somente alguns invejosos e invejosas comentaram, e pouco mais se passou.
No entanto, depois que Andráa Priscilla deu para comparecer desacompanhada a muitas dessas cervejinhas domésticas, a coletividade se preocupou, já que o marido, cedo ou tarde, ia acabar sabendo. Como de fato soube, se aborreceu, tomou umas quatro no Mercado e partiu muito disposto para fazer o flagrante, armado de uma peixeira de dois palmos. Quis porém a grande sorte de Quibe Frito que, na hora da invasão, Andráa Priscilla e ele estivessem só bebendo cerveja mesmo. No quarto e enrolados em lençóis, mas só bebendo cerveja, mais nada, nada.
Contam alguns que, para ajudar o marido a se convencer da inocência daquela cervejinha, Quibe Frito lhe ofereceu um discreto empréstimo, naturalmente a fundo perdido, e franquia vitalícia no estoque do bar de Nadinho, a que horas quisesse, quantas garrafas quisesse. O marido lavou a honra - com cerveja, mas lavou - , Quibe Frito e Andréa Priscilla continuaram casco-escurando e confirmou-se mais uma vez o feliz dizer de Jarbas da Misericórdia, segundo o qual dói ao nascer, mas ajuda a viver."
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