O cerveja-feira de hoje presta merecida e atrasada homenagem aos inventores da cerveja, o povo sumério. Não bastasse terem inventado a roda e a escrita, os sumérios nos brindaram, literalmente, com a cerveja. Os registros mais antigos de fabricação de cerveja, datados de 6000 anos, remetem a esta brilhante civilização, que floresceu ao sul da Mesopotâmia, região onde hoje se situam o Iraque e o Kwait.
A cerveja, segundo consta, foi uma descoberta acidental, uma obra do Acaso, que muitos dizem ser a maneira pela qual os deuses se comunicam conosco. Seu inventor anônimo foi um padeiro, um operário do trigo, da cevada e de outros grãos que cresciam naturalmente na região. Antes de serem usados no preparo do pão e de outras massas, os cereais eram deixados de molho por um tempo, para amolecerem e incharem, o que facilitava o seu uso e manejo e os tornava mais palatáveis.
Pois em um belo dia, o tal padeiro distraiu-se da lida e deixou os cereais de molho por um tempo muito além do normal. Ao abrir o recipiente, ele notou que a água tinha adquirido uma coloração e um cheiro diferentes dos costumeiros; um aspecto turvo, sujo, e um odor que beirava o azedo. O que fez o padeiro? Maldisse o seu descuido e jogou tudo fora? Nada disso. Atraído pelo estranho e inesperado líquido, resolveu prová-lo. Em poucos minutos, uma sensação de prazer, de deleite, de transcendência, quiçá de epifania, apossou-se do distraído padeiro. Ele fez provar também do líquido alguns amigos seus, que descreveram a mesma experiência de elevação espiritual que ele.
Pronto. Havia nascido a cerveja. A partir de então, a notícia se espalhou e o líquido, antes acidental, passou a ser produzido a propósito e com técnicas cada vez mais aprimoradas de elaboração. O erro do padeiro passou a vender mais que o pão. A cerveja passou a ser o "pão nosso de cada dia" dos Sumérios.
E que o Acaso e a não intencionalidade da invenção não minorem a importância e a inteligência do padeiro; antes pelo contrário, as enalteçam. Afinal, é muito mais fácil reconhecer o resultado positivo que se busca, o resultado teorizado e esperado, do que inferir alguma utilidade a um produto estranho decorrente de uma falha no experimento. Estar preparado para reconhecer alguma utilidade no Acaso requer uma genialidade muito superior à de simplesmente conduzir e acomodar procedimentos e resultados em currais cartesianos. Quantas invenções já não devem ter sido descartadas nos ralos das pias e nos lixos dos laboratórios e das forjas científicas pela imperícia, pela tacanhez e pela falta de argúcia de seus criadores em lhes perceber a importância? Quanto do Acaso já não foi desperdiçado por mentes não preparadas e abertas a ele?
O caso da cerveja mostra não só a genialidade do padeiro, que ao invés de jogá-la fora, elevou-a a néctar dos deuses, como também serve de importante registro histórico da infinitamente superior macheza dos povos antigos. Somos todos uns afeminados, uns poodles de madame, se comparados a eles. Na Suméria, um padeiro distraído inventou a cerveja. Hoje, aqui por essas bandas, o que um padeiro distraído faz? Deixa queimar a rosca!
A cerveja passou a ter uma relevância tão grande para a vida dos sumérios que leis reguladoras de sua produção, distribuição etc foram inseridas no código de leis sumério. Que não era uma constituiçãozinha qualquer, que não era uma cartinha magna mequetrefe de merda, não, feito o Direito Romano ou, pior ainda, a Constituição Cidadã Brasileira, escrita pelo pulha do Ulisses Guimarães e seus cupinchas movidos à base de mensalões; o conjunto de leis que pairava feito espada pontiaguda e afiada sobre as cabeças do povo sumério era nada mais nada menos que o Código de Hamurabi, o mais antigo e severo código de leis que se tem registro. A cerveja passou a ter lugar de honra no mais macho das antigas e no já draconiano, antes mesmo de Drácon, código de leis do mundo, aquele em que a diretriz básica era a Lei de Talião, a do olho por olho, dente por dente.
O Código de Hamurabi estabelecia rígidas leis de formulação, fabricação e comercialização da cerveja. Punia severamente o fabricante que a produzisse fora dos parâmetros legais, com ingredientes diferentes dos preconizados ou de baixa qualidade, e também o taberneiro que a adulterasse para enganar o cliente e aumentar seus lucros.
Os infratores, os que cometiam heresia em relação ao sacrossanto líquido, não eram multados, que multa é coisa de Constituição de viado. Eles eram condenados à morte, e a maneira pela qual morriam era concernente ao tipo de delito cometido contra a cerveja. Por exemplo, quem diluísse a cerveja, adicionando-lhe mais água que o permitido para aumentar seus ganhos, era condenado a morte por afogamento. Percebem a beleza da coisa? Percebem a eficiência e o justo senso de justiça da Lei de Talião? Pôs água na cerveja? Então, vai morrer afogado, de tanto beber água. Genial. Irretocável. Poético, até. Fosse o Código de Hamurabi aplicado nos dias de hoje aos produtores brasileiros de cerveja, iria faltar piscina pra tanto afogamento. Iria faltar mar.
E a lei que mais me agradou : o Código de Hamurabi estabelecia uma ração diária de cerveja para o povo sumério. Ao fim do dia de labuta, eram dados dois litros de cerveja ao trabalhador comum, três litros aos funcionários públicos e cinco litros para os administradores, governantes e sacerdotes.
Pãããããããta que o pariu!!! CLT é o caralho!!! Estatuto do Servidor Público é a puta que o pariu!!! Isso sim são direitos trabalhistas!!!
Imagino-me, funcionário público da "educação" que sou, chegando ao fim de um infrutífero dia de trabalho, guardando meu material no armário e, à saída da escola, recebendo 3 litrões de cerveja das mãos da diretora!!!
Vale-refeição é o escambau! Enfiem o vale-transporte no cu! Quero meus direitos, bonificações, quinquênios e terços de férias pagos em cerveja! Todos eles. Centavo por centavo. Mililitro por mililitro.
Abaixo, o alto-relevo sumério chamado Monumento Blau (4000 a.C.), que mostra a cerveja sendo oferecida à Deusa Nin-Harra.
6 Comentários
Rapaz, existe um episódio da série Fear The Walking Dead em que os protagonistas encontram um fabricante de cerveja artesanal.
ResponderExcluirFalando da Antiguidade, o cara menciona: o que você acha que levou sumérios, egípcios e outros povos a se desenvolverem e buscar expansão territorial? Beber, beber, beer... The essence of life.
O cara demorou anos desenvolvendo uma receita especial de uma IPA que se tornou muito apreciada e premiada. Quando ele estava prestes a vender a receita para uma grande cervejaria e ficar rico, veio o apocalipse zumbi.
Fico pensando que seria muito mais agradável trabalhar no serviço público naquela época... Cerveja de macho escriba, sem conservantes e produtos químicos... Três litros por dia, nada mal.
Verdade, a cerveja foi responsável por vários avanços da humanidade. A própria descoberta da agricultura, dizem, em parte se deveu a ela; antes o homem tinha que caminhar léguas e léguas atrás dos grãos e para evitar a fadiga descobriu como plantá-lo às portas de sua casa. Para comer? Nada disso, porque para comer havia várias outras opções, frutos, raízes, tubérculos, caça etc. Para fazer cerveja.
ExcluirAlém disso, ainda na época dos clãs e das tribos paleolíticas e neolíticas, muitas alianças e acordos eram fechados pelos chefes das tribos em encontros regados a muita cerveja.
O estupendo e imperdível livro Sapiens, de Yuval Harari, fala um pouco disso.
Sim, seria muito melhor ter sido um escriba do funcionalismo público nos tempos dos sumérios. Mas dadas as condições de trabalho do magistério de hoje e também da qualidade da clientela, o melhor seria que recebêssemos os três litros à entrada de nosso expediente e não ao final; para irmos bebendo e tornando o dia mais suportável.
E um bom augúrio para esse povo genial (sinceramente, sou fã mesmo) era desejar "pão e cerveja" para alguém. Hoje, do jeito que as coisas vão, é mais fácil desejar "pau e cerveja". E vai ter gente querendo se embriagar até cair sentado (ou de quatro).
ResponderExcluirUm dos motivos da rigidez hamurábica em relação à cerveja vem do fato dos sumérios acreditarem que sua descoberta fora um presente dos deuses; adulterá-la, de fato, era uma heresia.
ExcluirE pau e cerveja,já digo isso há muito tempo, é coisa desses degustadores gourmets.
É meu amigo, não existe civilização sem leis - honestas - que se façam cumprir, o resto é barbárie e caos. Como ocorre num certo país onde não temos segurança jurídica para abrir um pequeno negócio por menor que seja e bandido é vítima da sociedade.
ResponderExcluirTive a oportunidade de tocar o Código de Hamurabi no Louvre em uma das alas menos visitadas do museu. Nunca tocaria em um objeto que pudesse ser danificado, que fique claro, o monumento foi escupido em Diorito maciço. Ademais foi um ato involuntário de puro encantamento. Quando dei por mim já tinha tocado aquele pedaço da história da humanidade.
Onde chegamos...Abraço!
Sem dúvidas, meu caro. Nenhuma civilização se torna grande sem um conjunto de leis que bote o povão em seu devido lugar. O Brasil é um exemplo disso. Veja o que estamos passando com a pandemia, o número de casos continua a subir e a população em geral continua com os mesmos maus hábitos, a maciça maioria continua se comportando como se nada estivesse acontecendo. E não é de se espantar, afinal, já faz 32 anos da Constituição Cidadã, mais de três décadas que o brasileiro faz o que bem entender sem sofrer grandes consequências, trinta anos de uma constituição que não obriga a população a ser responsável e minimamente correta e honesta. Vão obedecer agora as regras básicas de convivência da pandemia? Mas não vão mesmo. Nunca. O brasileiro não é acostumado a seguir leis. Não foi educado a isso. E, claro, que todo esse caos que vivemos hoje foi proposital, veio sendo orquestrado pela esquerda, de FHC a Dilma, durante 30 anos. Nossa desgraça não é fruto do acaso nem uma fatalidade, é um projeto.
ExcluirRapaz, deve ter dado até um arrepio quando tocou no monumento, hein?