Há a figura do herói. O herói é um virtuoso. Luta sempre ao lado do Bem, pelo Bem e municiado tão-somente com as armas do Bem. O herói a rigor tem uma incapacidade congênita de se valer de métodos duvidosos e moralmente ambíguos mesmo que seja em nome de um Bem maior. Para o herói, os fins não justificam os meios. Para o herói, os meios têm de ser tão probos e louváveis quanto o fim a que se destinam. O herói não maneja as armas do inimigo contra o próprio; em nenhum momento, luta contra o inimigo nos mesmos termos que ele. A exemplo, o herói a rigor jamais mataria, propositalmente e com as próprias mãos, um tirano sanguinário, nem que fosse para impedi-lo de cometer um genocídio.
O Capitão América e o Super-homem são heróis a rigor.
Há a figura do anti-herói. Diferente do que o prefixo anti possa fazer supor, o anti-herói não é contra o herói, não é o seu antagônico, não é o vilão. O anti-herói não é inerentemente mau, também luta pleo Bem. Mas não necessária, obrigatória e preferencialmente se utiliza só das armas do Bem. O anti-herói é tranquilamente capaz de cometer maldades contra o mau e o Mal. Ele não hesita em dilemas morais em fazer o Mal provar de seu próprio mal, se esta for a opção que lhe estiver mais à mão. O anti-herói não titubeia em se valer de recursos obscuros e eticamente reprováveis para conseguir um Bem maior. O anti-herói não gasta tempo nem massa cinzenta em buscar maneiras de asssegurar a pureza e a legitimidade dos meios que o levarão ao fim. A exemplo, o anti-herói mataria fácil, fácil, um estuprador, um pedófilo, ou um traficantezinho mequetrefe de porta de escola; e os deixaria lá, para que os urubus limpassem a sua sujeira.
O Wolverine e o Justiceiro são anti-heróis a rigor.
Há a figura do corno. O corno também é um virtuoso. Não chega a pelejar pelo Bem, mas seu magnânimo coração só consegue enxergar o Bem nas pessoas; até, e principalmente, na biscate que lhe presenteou com uma peruca de touro. O corno a toda biscate perdoa. Acolhe-a de volta, dá-lhe casa, comida, roupa lavada e até o seu nome, a herança maior que seu pai lhe deixou. O corno releva os deslizes, a fragilidade de caráter, a falta de vergonha na cara e o calor na bacurinha da biscate. Acredita, deveras, que a biscate possa se redimir, possa mudar de vida.
Amado Batista, Odair José e Reginaldo Rossi são os cornos a rigor.
Há a figura do anti-corno. Equivocado pensar, análogo ao caso do anti-herói, que o anti-corno seja o êmulo do corno; e nem o poderia ser, uma vez que também é corno. O anti-corno não está do lado do Mal, mas o seu dilacerado coração consegue ver o Mal que habita o corpo da biscate. O anti-herói a nenhuma delas perdoa. Não faz votos de que a biscate "seja bem feliz junto do seu novo rapaz". O anti-corno quer que a biscate se foda. Quer vê-la na sarjeta, quer vê-la moradora de rua da Rua da Amargura. O anti-corno é mesmo capaz de jurar vingança à biscate que lhe enfeitou o frontispício. O anti-corno, muito antes que o filósofo Gregory House o tenha dito (“People don´t change”), sabe que as pessoas não mudam.
Lupicínio Rodrigues é o anti-corno a rigor.
Na tocante canção "Vingança", sofrida e escrita com sangue embebido na ponta do chifre, o anti-corno Lupi não perdoa nem faz concessões : "Mas, enquanto houver força no meu peito/Eu não quero mais nada/Só vingança, vingança, vingança/Aos santos clamar". É pouco ou querem mais? Então, tomem mais.
Vingança
(Lupicínio Rodrigues)
Eu gostei tanto
Tanto quando me contaram
Que a encontraram
Bebendo e chorando
Na mesa de um bar
E que quando os amigos do peito
Por mim perguntaram
Um soluço cortou sua voz
Não lhe deixou falar
Tanto quando me contaram
Que a encontraram
Bebendo e chorando
Na mesa de um bar
E que quando os amigos do peito
Por mim perguntaram
Um soluço cortou sua voz
Não lhe deixou falar
Mas eu gostei tanto
Tanto, quando me contaram
Que tive mesmo de fazer esforço
Para ninguém notar
O remorso talvez seja a causa
Do seu desespero
Ela deve estar bem consciente
Do que praticou
Me fazer passar esta vergonha
Com um companheiro
E a vergonha
É a herança maior que meu pai me deixou
Mas, enquanto houver força no meu peito
Eu não quero mais nada
Só vingança, vingança, vingança
Aos santos clamar
Ela há de rolar qual as pedras
Que rolam na estrada
Sem ter nunca um cantinho de seu
Para poder descansar.
Aos santos clamar
Ela há de rolar qual as pedras
Que rolam na estrada
Sem ter nunca um cantinho de seu
Para poder descansar.
Para ouvir Vingança na interpretação de Adriana Calcanhoto, que também já deve ter levado muito chifre de biscate, é só clicar aqui, no meu poderoso MARRETÃO.
1 Comentários
Essa música é do caralho! Aliás, o Lupicínio era uma enciclopédia de cornagem, um doutor em abandono com pós-doutorado em chifre. Quando eu tinha a "idade do rock", achava uma merda esse tipo de música. Hoje eu reverencio a beleza das músicas e letras do gaúcho.
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