Romeu e Julieta de Vinicius de Moraes

Shakespeare é o cacete! Zeffirelli é o escambau!
Romeu e Julieta é Vinicius de Moraes! Com o auxílio luxuoso do violão de Toquinho.
Baixei muita música, discos e CDs da internet entre mais ou menos 2008 e 2012-13, quando ela começou a ganhar um pouco mais de velocidade e ainda era território mais livre, bem menos monitorado e minado pelas gravadoras, Ecad e Polícia Federal do que é hoje - talvez até mais vigiado que as próprias fronteiras geográficas do país. Bons e inúmeros eram os blogs que hospedavam obras musicais de todos os gêneros e de todas as épocas; muitas raridades já fora de catálogo e só gravadas em vinil eram digitalizadas e disponibilizadas nestes blogs.
Eu baixava os discos e os passava para CDs virgens. Tenho centenas deles gravados em mídias digitais, talvez chegando mesmo à casa do milhar, uma vez que cabem de oito a doze LPs digitais em cada CD-ROM e eu tenho, hoje, 186 destas mídias. Tenho CDs com obras de um único artista e, a maioria deles, CDs com artistas variados, sortidos, que podem conter de Genival Lacerda a The Doors, passando por Tom Jobim e Engenheiros do Hawai, a exemplo.
Desnecessário dizer que muitos destes CDs, eu nunca ouvi na íntegra, ou com a devida atenção; estou esperando me aposentar, o filho se formar etc.
Guardo-os em uma caixa de sapatos, colocados em ordem numérica (1, 2, 3...), contudo, sem nenhuma referência de seus conteúdos anotada neles. Juntamente a um pequeno aparelho toca-CD, a caixa me acompanha em minhas tarefas caseiras diárias, rotineiras e, por isso, às vezes, enfadonhas, mas que têm de ser executadas.
Como eu mesmo já disse : "se tens enfadonha tarefa, da qual não podes te furtar ao cumprimento, tampouco mais protelá-la em prevaricação, execute-a com muita música e cerveja".
Então, na iminência de aporrinhante tarefa, vou, pego minha cerveja, abro a caixa de sapatos com todos os CDs enfileirados feito cartões da sorte em um antigo realejo e, periquito azarado, corro o dedo por cima deles, de olhos fechados, e pinço um, que será a trilha sonora de minha labuta naquele dia.
Neste domingo próximo passado, fui para a cozinha cuidar do almoço. Gosto de cozinhar, de brincar com as panelas, mas detesto lavar a louça, limpar o fogão, a pia e lavar o chão. Muni-me de coragem e de resignação; e de cerveja e música.
Fisguei lá da caixa o CD nº 144. Nem ideia de seu conteúdo. Pus o aleatório CD a tocar no modo aleatório do aparelho. Lá pela quarta ou quinta música, começou a tocar "Chega de Saudade", nas vozes de Toquinho e Paulo Ricardo (ex-RPM). Lembrei-me, então, de que os dois, em 2010-11, haviam gravado um disco em homenagem a Vinicius de Moraes, "Toquinho e Paulo Ricardo Cantam Vinicius". Lembrei-me de que o baixara na ocasião e de que nunca tinha lhe dado a devida atenção. Ouvi-o, talvez, uma única vez, e meio en passant.
Fui ao aparelho e o tirei do modo randômico, para ouvir cada uma das faixas do CD. Foi quando - e eis, finalmente, o motivo desta postagem - Toquinho e Paulo Ricardo começaram a cantar uma canção de melodia e letra belíssimas, desconhecida por mim. Muito, muito bela, a canção. Estranhei nunca tê-la ouvido. Tenho bom conhecimento do vasto repertório de Toquinho e Vinicius, e aquela música jamais teria me escapado à audição e à lembrança. Encantei-me de verdade com a canção. Como há tempos não me encantava.
"Romeu e Julieta", o nome da canção.
Fui pesquisar sobre ela, talvez fosse uma composição mais nova, só do Toquinho, embora a letra, claramente, exalasse a um Vinicius em êxtase etílico. A música é mesmo parceria dos dois. Porém, sim, só surgiu recentemente, por obra do Acaso (que também deve ser fã do Poetinha), muito tempo depois da morte de Vinícius, justamente durante o período em que Toquinho e Paulo Ricardo estavam a selecionar o repertório para o CD homenagem. Algum médium - talvez João de Deus - a psicografara?
A explicação me foi dada pelo próprio Toquinho, acompanhado do Paulo Ricardo, numa entrevista ao Programa do Jô por ocasião do lançamento do CD. Toquinho conta que ele compôs a melodia de "Romeu e Julieta" em 1974-75, porém, perdeu a letra que Vinicius escrevera para ela. Com a morte de Vinicius, ele não quis dar a melodia a outro letrista e ela ficou engavetada.
Até que, trinta anos depois, Toquinho a jogar sinuca com Paulinho da Viola em um clube da capital paulista, entra uma mulher e diz que tem algo que pode muito lhe interessar, e põe nas mãos dele o original da letra de "Romeu e Julieta", datilografado e corrigido à mão por Vinicius.
Toquinho desengavetou a melodia e "Romeu e Julieta" nasceu, ou melhor, saiu de seu estado de dormência, de larva. Foi gravada no CD em homenagem ao Poetinha.
Não sou de colocar vídeos aqui no Marreta, não gosto. Boto um link para ser clicado no meu poderoso MARRETÃO e o leitor é para lá teletransportado. Mas gostei tanto da música, ainda mais neste dueto de Toquinho com Anna Setton, que abri uma exceção.
A canção é curtinha. Curta, afiada e pungente como uma lâmina de um punhal de ferrugem ruim. Teleguiado ao coração.

Romeu e Julieta
(Toquinho e Vinicius de Moraes)
Não te esqueças de mim
Quando um dia eu me for
Deposita uma flor
Onde disser assim :
Aqui jaz um amor
Que foi lindo demais,
Aqui jaz um amor em paz.

E não busques jamais
Repousares, enfim,
Busca um velho punhal
De ferrugem ruim
E num instante fatal,
Ao sentires teu fim,
Vem deitar o teu sangue em mim.


E num instante fatal,
Ao sentires teu fim
Vem deitar o teu sangue em mim.

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2 Comentários

  1. Girassóis de Van Gogh
    Baco Exu do Blues
    Te engravido toda noite
    Só para ver o Sol nascer

    Te engravido toda noite
    Só para ver o Sol nascer

    Não quero mais dormir do seu lado
    Prefiro ficar acordado
    Guardando seu rosto pra lembrar de você
    Lembrar de você, lembrar de você

    Cê tem uma cara de quem vai fuder minha vida
    O seu olhar é um caminho sem saída
    O seu corpo é um caminho sem saída
    Então só entro

    (Então eu só entro)

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  2. https://youtu.be/cRLSKh5ridA

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