Pequeno Conto Noturno (69)

- Miserável! Filho da puta!
Transtornada - 80% ira (e subindo) e 20% resto de surpresa (e caindo) -, Gisele anda e vasculha o pequeno apartamento de Rubens, xingando-o e arrastando consigo um saco plástico de lixo, daqueles de 100 litros, preto, feito os de ensacar cadávares, que vemos nos filmes, recolhendo e atirando para dentro dele tudo o que ela trouxera durante o curto (curto para quem?) relacionamento, hoje, finado, sem aviso prévio, sem sinais de quê(para ela), como aniquilado por mal súbito e fulminante, com Rubens; dois meses, pouco mais, pouco menos?
- Ermitão da porra! É disso de que gosta, né, seu escroto? Viver enclausurado, isolado... mas vou levar todos os melhoramentos que pus aqui, tudo que trouxe para dar uma aparência de casa a essa caverna... é assim que gosta de viver, né, dentro de um covil de bicho... que seja feita a puta da sua vontade, vai voltar pra sua vida de homem das cavernas, mas vou levar tudo.
Gisele anda pela sala e arranca um tipo de tapeçaria (Rubens não sabe o nome correto daquilo) que pusera sobre o sofá à guisa de ornamento, forro e proteção para o surrado, encardido e puído móvel. Tapeçaria colorida, com motivos meio mexicanos, astecas, ou coisa vagamente parecida, urdida em fibra vegetal rústica e deixada a propósito sem acabamento, para dar-lhe ares de trabalho manual, artesanal, aspecto de confecção ecologicamente correta, autossustentável e essas merdas e, lógico,  para poder ser vendida a um preço três ou quatro vezes maior do que vale.
(Rubens não gostara da tapeçaria em seu sofá logo de começo. As pontas das cerdas dos fios da tecedura espetavam um pouco a sua bunda quando se sentava pelado para que Gisele, ajoelhada à sua frente e com a cabeça entre suas pernas, lhe fizesse uma chupeta. E que chupeta faz Gisele... que técnica... que poder de sucção... e não perdia nem desperdiçava uma única gota ao fim do processo, coisa rara hoje em dia. Decidiu que o boquete de Gisele suplantava o desconforto das cerdas a lhe picarem a bunda. E a tapeçaria ficou.)
- Misógino de merda! Disfarça arrumando e comendo um monte de mulher, uma vagabunda atrás da outra, mas nos odeia, a todas nós, mulheres. Só tem adoração pelo próprio falo, vai ver que até pelo falo de outros, todo misógino é uma bichona enrustida!
Gisele segue para a cozinha. Abre o armário e vai jogando para o estômago pantagruélico do saco preto todos os copos que comprara - copos para água, para cerveja, para whisky -, a mania e/ou a insistência de Rubens tomar tudo em canecas, na mesma caneca, a incomodava; na verdade, dava-lhe certa vergonha alheia quando tinham visitas. Pelo mesmo motivo, recolhe ao saco, agora, os jogos de talheres que adicionara às gavetas do apartamento; Rubens, desde há sabe-se lá quando, sempre teve quatro garfos, quatro facas e quatro colheres, de cabos bojudos em plástico azul, e já os considerava um luxo, só os comprara aos quartetos porque vinham em cartelas não fracionáveis de plástico bolha. Pratos, xícaras, escumadeira, espátula, fatiador de queijo, saca-rolha em inox. Tudo para o saco. Porta-detergente. Porta-esponja. Porta-sabão. Escorredor de pratos. Tudo para o saco. 
(As visitas das quais Gisele se envergonhava eram sempre de conhecidos dela. Rubens nunca recebera, em toda sua vida, mais gente, ao mesmo tempo, do que seus quatros talheres não tenham dado conta, ou suas canecas. Aliás, há anos, fora as eventuais invasões de Calil, Rubens não recebia ninguém. Rubens não gostara daqueles apetrechos todos em sua cozinha logo de começo. Mas Gisele, depois de uma noite com seus intragáveis amigos e amigas, estava num tal grau de satisfação para com Rubens que sempre liberava o cuzinho pra ele antes de dormirem. E que cuzinho tem Gisele... um verdadeiro triturador de rola... uma quente, aconchegante e barrenta toca de minhoca. Decidiu que o cuzinho de Gisele suplantava todo o desconforto daquela tralha e do falatório inútil dos amigos dela.  E os copos, os pratos, os talheres etc ficaram.)
- Você odeia as mulheres, Rubens! Deve ter tido uma mãe controladora, castradora, e como não pode, como não quer depô-la do altar de santa em que todo filho homem põe a mãe, como não quer resolver seus problemas com ela, como quer mantê-la em perene estado de perfeição, deve nutrir até um tesão recolhido e inconfessável pela figura dela, desforra nas mulheres com quem se relaciona. Se vinga de sua mãe em todas nós!
Gisele não fora a primeira psicóloga a rebolar e gemer em sua rola e, para elas, tudo se resume à adoração ao falo, ao tesão pela mãe, a comer merdas... essas merdas, pensa Rubens, em déjà vu.
Gisele caminha para o quarto. Lençóis e fronhas de não sei quantos fios, travesseiros de pena de ganso, pantufas, um porta-retratos com ela e Rubens, a cortininha da janela, sachês aromáticos em pingentes de crochê pendurados nos puxadores das portas do guarda-roupa, tapetinhos, também em crochê, dos dois lados da cama, para os pés não pegarem friagem pela manhã, três quadros colocados na parede. Tudo para o saco. E arrasta, embaixo do braço, para a sala, para junto da porta de saída, um grande espelho, daqueles de chão, com suporte, que pusera de frente para a cama, para se ver quando trocava de roupa e de sapato.
(Rubens não gostara daqueles badulaques todos logo de começo, atulhavam o quarto, mal davam espaço para Rubens andar, obrigando-o a se locomover como que em um campo minado, sobretudo o grande espelho no chão, em cuja base sólida e pesada já dera por vezes com o dedinho do pé. Mas Gisele excitava-se com todas aquelas texturas, aqueles perfumes, aquelas maciezas... excitava-se, principalmente, ao se ver no espelho com o pau de Rubens por entre suas tetas. E que tetões tem Gisele... naturais... e que espanhola faz Gisele... Decidiu que os tetões e a espanhola de Gisele suplantavam toda a perda de espaço. E os badulaques ficaram.)
Gisele vai para o banheiro. Recipiente para sabonete líquido, frasco com umas varetas de madeira mergulhadas numa essência, toalhas de rosto bordadas e combinando com as de banho e com o tapete, velas aromáticas, cestinho de lixo em ferro esmaltado e com motivos florais, esponjas de banho de bucha orgânica, toda sorte de cremes, xampus, maquiagens, protetores solares, um secador de cabelos e uma maquininha para depilar as pernas, suvacos e buça. Tudo para o saco. Gisele já estava para sair do banheiro, quando se lembrou, e esses ela fazia questão absoluta de levar embora, do creme que comprara para os calcanhares rachados Rubens e do condicionador tonalizante - uma gosma azul-escura - para seus cabelos grisalhos, que anulava o efeito amarelado imposto pelo sol e o substituía pela prata do luar, segundo o rótulo. Rubens que morresse com seus calcanhares de solo de sertão e seus cabelos amarelos-nicotina.
(Rubens não gostara de toda aquela perfumaria em seu banheiro logo de começo. Sobretudo das últimas aquisições de Gisele, o creme para calcanhares e o condicionador tonalizante, sentiu-se ultrajado de início, pareceu-lhe coisa de metrossexual. Mas Gisele tem uma amiga, uma tal Liane, que se ela, Gisele, pedisse, conversasse com jeito, quem sabe, poderia até topar uma brincadeirinha a três, Liane era da pá virada, ela e Liane tiveram seus momentos na adolescência, confessou a Rubens, enquanto ele chupava sua buceta. Mas como trazer a amiga e apresentá-la a um namorado de calcanhares rachados e cabelos malcuidados? Para Rubens, vergonhoso seria apresentar um namorado de pau mole, mas vá entender as mulheres... Rubens decidiu, depois de ver uma foto da tal amiga no celular de Gisele, que chupar e meter em Liane às vistas e com o consentimento e participação de Gisele suplantava a viadagem de um creminho nos calcanhares e uma meleca roxa nos cabelos. E o creme e o condicionador ficaram.)
Até hoje. Até hoje, há pouco mais de uma hora, uma hora e pouco, a tudo Rubens relevara, condescendera, racionalizara, se ajeitara com compensações. Até hoje. Há uma hora.
Rubens e Gisele na cama. Sentados com as costas na cabeceira e as pernas esticadas, depois da foda, retomando os ritmos normais da respiração e da pulsação. Gisele conversava trivialidades e brincava com os pelos do saco de Rubens, enroscava e entremeava os dedos pela basta cabelereira pubiana dele.
- Rubens, meu bem... - ela começou a dizer - vamos tentar uma coisa nova, uma melhoradinha no visual?
- Fala - falou Rubens, enquanto entornava um latão de 550 ml.
- Vamos dar uma aparadinha nesse matagal todo? Uma cortadinha, uma aparadinha nesses pelos? Comprei até uma tesourinha própria para isso.
E Gisele abriu a gaveta do criado-mudo do seu lado da cama e exibiu, já com os dedos a postos, a tesourinha de cortar pentelhos a Rubens.
Dessa vez, não houve tempo para ponderações, para racionalizações, para o cerébro de Rubens trabalhar em compensações. A medula de Rubens assumiu o comando, como sempre faz em situações de graves urgências, em que a lentidão do cerébro poria tudo a perder. A perna boa de Rubens, a esquerda, em arco reflexo, feito aquele movimento involuntário e inevitável de quando o médico nos bate com um martelo à patela, deu um coice, chutou Gisele à distância, para fora da cama.
A sequência do fato - Gisele xingando e recolhendo tudo o que é de seu no saco de lixo preto - é história já bem contada e sabida.
Gisele, enfim, sai pela porta. Desce a escadaria com o saco de seus espólios, de suas tentativas frustradas de mudar Rubens, e com o espelho. Rubens, pela janela, vê o motorista do táxi ajudando-a a ajeitar tudo no porta-malas e, em seguida, sumir na madrugada.
Fiz o certo - pensa Rubens -, se não, o necessário - e abre mais um latão de 550 ml. Desta vez, não havia como... - continua a pensar em meio a uma golada de cerveja e espuma - cortar os meus pentelhos... o que viria depois? Enfiar o dedo no meu cu? E Rubens ri. Fizera o certo. Um homem deve ter firme seus limites e fazê-los conhecidos para os outros. O chute que jogou Gisele contra a parede, admite Rubens, não foi o mais polido dos argumentos. Mas foi o mais eficaz. Isso, ora porra, foi.
Rubens sente um revertério nas tripas e corre pro banheiro. Uma das boas. Das quentes. Das que ultrapassam o nível da superfície da água da privada. Rubens toma um pedaço de papel higiênico e passa no cu. Surpreso, sente a maciez e a suavidade de um folha dupla - outra inovação de Gisele no banheiro de Rubens, que Rubens não gostara logo de começo, mas o papel higiênico que era de seu hábito - folha simples, tipo lixa - esfolava a buceta de Gisele. E que bucetão tem Gisele... Rubens decidiu que se fosse para algo esfolar os grandes e os pequenos lábios de Gisele, esse algo seria seu pau. E o papel higiênico folha dupla ficou.
Rubens, acabando de se limpar, decide que manterá o folha dupla, doravante. Que o folha dupla será a herança de seu caso com Gisele. E que ninguém ouse dizer que Rubens é um homem que não aprende com seus relacionamentos.

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14 Comentários

  1. Rapaz, mas que triste a Gisele saindo de caso carregando um saco preto com os espólios. Acho que, desta vez, Rubens voltará atrás.
    Leitinho

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    1. Nada disso. Rubens tem que manter a sua fama de mau.

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    2. Leitinho??? Voltou do mar com as oferendas de fim de ano? ;)
      "J"

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  2. Maneiro e bem leve, um dos textos mais engraçados do Rubens narrador. Gostei sobretudo do ritmo; nada pedante nem cansativo.
    "J"

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    1. E, por acaso, os outros eram, pedantes e cansativos?

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    2. Não e tomar no cu só pra não perder o costume. Feliz ano novo.
      "J"

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    3. Nossa, já estão com essa intimidade de um mandar o outro tomar no cu; já estão se pegando?

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    4. Tá com inveja? Quer dar uma pegada na minha rola, também?

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  3. Mas que gentalha. Por favor, mais respeito com o nosso Impávido Mestre Azarão.
    E o carnaval está chegando meu Mestre!
    Ex-boiola.

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    1. Não se apoquente, ex-boiola, isso é coisa de viadão enrustido que quer sentar na minha rola, ou de biscate mal-amada que quer, também, sentar na minha rola.
      Vai de novo com o Renatão pra Caldas NOvas? Vai comer ou vai dar?

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  4. Mestre, desta vez vamos para o Guarujá. Vamos em três! Eu, Renatão e um novo crush que arrumei. Aonde será que eu entro nesse trenzinho?

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    1. Vixe! Vai ser só rosca pegagndo fogo! Vai entrar com areia e tudo!
      Eu acho que você vai ser a locomotiva do trenzinho!!!!

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    2. Vem com a gente, Mestre
      Você será o último vagão, aquele que engata em todos os outros

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    3. Um convite deveras tentador, ex-boiola... deveras tentador.
      Seria como na música Sônia, de Léo Jaime :
      "Sônia, chega mais aqui e fica bem juntinho
      Sônia, vamos nessa festa fazer um trenzinho
      Você na frente e eu atrás
      E atrás de mim um outro rapaz
      Sônia, que loucura!"

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