Seborreias e Pontualidade (Ou : Às Vezes, o Azarão Também Tece Elogios)

Como disse aqui em outras ocasiões, o blog nasceu de uma provocação de uma velha amiga, que me desafiou a criar e a manter um espaço no qual eu expressasse minhas impressões, visões de mundo, desabafos, bravatas e até mesmo, e por que não?, meus chororôs e lamúrias de mesa de bar, de fim de noite.
Vai daí que, uma vez nascido, o Marreta, mais do que um muro das lamentações, virou um paredão de fuzilamento para temas, assuntos, atividades e, sobretudo, comportamentos humanos que desprezo e que me incomodam profundamente. E como não são poucas as coisas e os comportamentos do bicho-homem que me incomodam, o Marreta está por aqui há quase 7 anos.
Um dos traços do caráter - ou da falta dele - do brasileiro que mais me deixam puto é a impontualidade feita em patrimônio nacional. Brasileiro acha feio chegar na hora marcada, acha coisa de otário cumprir com o horário combinado.
Esse injurioso costume atinge o extremo mais alto da escala entre os da classe médica. Parece-me que a impontualidade é item supervalorizado do currículo de um médico, uma pós, uma especialização comum e obrigatória a todas as áreas. Tenho, inclusive, a impressão de que o atraso contumaz dos médicos nem seja apenas por desleixo e descaso, creio que ele seja proposital. Assim, a clientela estropiada e fudida, que os aguarda em sofrimento, tem a sensação de um alívio imediato quando os negligentes de branco adentram os corredores do hospital, a angustiante espera contribui para alimentar e reforçar a aura de salvadores, de semideuses, que muitos se autoatribuem.
Nos últimos tempos, contudo, tenho dado sorte com médicos. Nos últimos tempos, contudo, dei de cara com duas honrosas exceções dentro desse panteão de relapsos. Uma delas, há quase dez anos; outra, hoje. E é a eles que se destina o elogio do Azarão de hoje. Elogio que, é verdade, não deveria ser necessário, uma vez que é laudatório ao que deveria ser básico, ao que é da obrigação de todo profissional, mas como deveres e responsabilidades são valores em desuso no país, ele não só se faz necessário como também urgente. Dois médicos, pasmem, pontuais.
1) O urologista com quem me consulto há quase 10 anos. 
Tudo bem que pese contra ele o fato de enfiar o dedo no meu cu sem dó nem piedade, sem nem ao menos levar um papinho, me servir um whiskinho, deixar o consultório à meia luz, botar um bolero na vitrola etc. Mas ele o faz de modo profissional, rápido e indolor. E o principal : sempre pontual. Nessa quase década de alguns dedos de prosa, ele nunca se atrasou um único minuto que fosse. 
O que demonstra uma baita duma consideração para com os machos de respeito na sala de espera : o cara já vai lá para levar uma atolada de dedo no toba, só faltava ter que esperar duas ou três horas para isso.  O sujeito chegar em casa, ou em seu local de trabalho, e reclamar que esperou duas ou três horas para se consultar com o cardiologista, com otorrinolaringologista etc, ainda que vai. Mas imagine o cara chegar na hora do cafezinho e dizer : rapaziada, ontem esperei duas  horas para levar um dedo no cu! É muita humilhação.
Ele é pontual em duas das conotações cabíveis ao termo : no sentido de sempre cumprir com o horário marcado e no sentido de que visitá-lo não é ato frequente, é pontual, esporádico, esparso.
2) A dermatologista, que conheci hoje.
Peraí, velho Azarão, dirão, mal-intencionados, alguns de meus leitores mais filhos das putas, isso dum macho velho e das antigas ir numa dermatologista não é muita viadagem, não? 
Sim. É pura viadagem. Mas fazer o quê? Convenhamos, perto dos 50 anos e algumas dedadas já machamente encaradas (embora não possa dizer que as tenha enfrentado exatamente de frente), ir a uma dermatologista para que ela examine minha macilenta tez, é coisa pouca, é frescura menor, é pormenor de somenos. É o velho ditado, meus amigos : passa boi, passa boiada.
Em minha (fraca) defesa, devo dizer que não fui à dermatologista exatamente por iniciativa própria. Há alguns meses, uma pequena descamação se tornou recorrente em minha testa, ao rés do couro cabeludo. Meu autodiagnóstico foi : ou o resquício de velhos chifres, que, volta e meia, teimam em ressurgir - sentimento ilhado, morto e amordaçado, volta a incomodar -, ou uma mundana seborreia. Como a descamação fica indo e voltando, minha esposa começou a externar sua preocupação, a fazer uma espécie de terrorismo amoroso, começou a dizer que poderia ser coisa "pior", que é a maneira eufemística que as pessoas usam quando querem se referir a câncer, como se a simples menção da palavra pudesse ocasionar a doença, atrair a maldição.
Como sou sugestionável pra caramba, ou seja, como sou cagão pra essas coisas, comecei a pôr caraminholas na cabeça e a ficar realmente preocupado. Daí, a minha ida à dermatologista, dermato, para os íntimos e afrescalhados.
A consulta foi marcada para as 15  horas. Como não a conhecia, não sabia qual era o nível de sua pontualidade, ou, o mais provável, da falta dela, e como tinha afazeres outros a cumprir que dependiam do bom andamento cronológico da consulta, preocupei-me. Detesto quebras de rotina, ainda que seja por necessidade médica. Só de pensar em esperar por horas, ter que ir embora sem ser consultado, quando meus compromissos ulteriores assim exigissem, ter que remarcar a consulta, esperar pela nova data e correr o risco de dar errado de novo, já me deixa doente - deu pra ver que tenho sérios transtornos obsessivos, né?
Felizmente, minhas pré-ocupações mostraram-se infundadas. Cheguei ao consultório por volta das 14 e 50h, a secretária fez minha ficha e prontamente me conduziu à presença da médica, uma japonesa, o que explica, em grande parte, a sua britânica pontualidade. Sentamo-nos. Vi no relógio de pulso dela que eram exatamente - exatemente mesmo - 15 horas. Relatei o problema, ela deu uma olhada na minha testa e couro cabeludo e deu o veredicto : dermatite seborreica. Ou seja, a boa e velha seborreia que eu havia imaginado.
Receitou-me lá  um creme para passar no local e me deu até uma amostra grátis, que, pelo que pude calcular, será suficiente para o tempo prescrito de tratamento. 
Também costumo dar esse tipo de sorte, geralmente recebo amostras grátis, sobretudo se for médica - do meu urologista, eu nunca ganhei, e nem quero, nenhuma amostra grátis para levar para casa, no que eu muito lhe agradeço, se é que vocês me entendem. A pediatra que consulta meu filho, a outro exemplo, é sempre muito simpática para comigo e, invariavelmente, saio de seu consultório com um bom fornimento de amostras grátis; quando é minha esposa quem leva o moleque, nem bom-dia ela ganha.
Acho que tem a ver com o o meu estilo casual despojado de me trajar, ou seja, eu corto o cabelo, quando muito, a cada 4 ou 5 meses, vivo com a barba desgrenhada, ando com calças desbotadas e encardidas, que em nada combinam com as cinzas camisetas, que um dia, em seus bons tempos, já foram pretas ou azul-marinho. Acho que desperto nelas uma vontade de cuidar e proteger; seus instintos maternais, ou, o mais provável, de geriatras dedicadas.
Entrei no consultório exatamente às 15 horas; 15 horas mais cinco minutos, eu já me dirigia ao elevador de saída. Exato, perfeito e preciso. Apesar da seborreia, saí de lá estranhamente feliz e satisfeito. Somos, no dia a dia, tão aviltados e negligenciados em nossos direitos mínimos e básicos que, quando eles são respeitados, nos causa surpresa, enfim...
Agora, vou tomar um banhão e, depois, sobre a região afetada, aplicar o meu creminho. Pãããããããta que o pariu!!!!

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