Corno Peçonhento

Que o chifre envenena a alma do corno inconformado, daquele incapaz de aceitar que o chifre é do homem e o boi usa de enxerido, é fato notório.
Mas seria possível que a dor, a angústia e o tormento infligidos ao corno pela biscate e pelo Ricardão se transformassem, sabe-se lá por quais processos bioquímicos transmutatórios, em potente peçonha? Que, uma vez inoculada via pérfido apêndice frontal em seus algozes, devolvesse-lhes ao menos parte do excruciante flagelo? Um chifre venenoso? Um corno peçonhento?
A classe dos insetos é a campeã do planeta em diversidade de espécies. No total - bicho, planta, fungo etc -, os taxonomistas catalogaram perto de 2 milhões de espécies até hoje, dessas, quase 1 milhão são de insetos; depois dela, o vice-líder, ou o campeão moral, como é de costume se chamar ao perdedor, ou, nesse caso, o campeão desmoralizado, é o vastíssimo gênero dos cornos.
Tem o corno bravo, o manso, o prevenido (liga para esposa e avisa quando vai chegar mais cedo), o socialista (que não se importa em dividir com os outros), o hereditário (aquele em que a tradição passa de pai para filho), o denorex (não parece, mas é), o elétrico (aquele que quando lhe alertam sobre as escapadas da mulher, ele diz, tô ligado, tô ligado), o ateu (aquele que não acredita que é), o 120 (aquele que pega a mulher fazendo um 69 com o Ricardão e vai pro bar tomar uma 51), o churrasco (aquele que põe a mão no fogo pela mulher), o pai de santo (aquele que chega em casa e tira o caboclo de cima da mulher), o Brahma (aquele que pensa que é o número um), o Bavaria (aquele que divide a mulher com os amigos), o Papai Noel (aquele que larga da mulher mas volta por causa das crianças), o geladeira (leva chifre e não esquenta) etc, etc, etc. O gênero dos cornos é dos mais profícuos. Mas corno peçonhento? Até então não se tinham notícias. Até então...
Cientistas brasileiros - só podia ser - descobriram tão temível arma, o chifre venenoso. Descobriram não apenas uma, mas duas espécies de cornos peçonhentos. São dois sapos, o Aparasphenodon brunoi - com 9 centímentros, malhado de preto-e-branco e encontrado no Espírito Santo - e o Corythomantis greeningi - com 7 centímetros, esverdeado e nativo da catinga do Rio Grande do Norte.
Muitos sapos são venenosos, o que é muito diferente de ser peçonhento : venenoso é possuir alguma estrutura, geralmente um glândula, capaz de produzir veneno; peçonhento é produzir veneno e ser capaz de injetá-lo em outrem. Os sapos com glândulas de veneno na pele não são capazes disso, não tem nenhum órgão inoculador, o veneno só é liberado se ele for agredido, mordido, espremido.
O que não são os casos do  Aparasphenodon brunoi e do Corythomantis greeningi. A cabeça deles é guarnecida por vários espinhos ósseos que se distribuem à frente e às laterais, formando uma espécie de coroa de chifres; e, por entre os chifres, estão as glândulas de veneno. Quando o sapo bate com a cabeça contra um animal, seja para se defender ou para predar, a pressão do impacto não só faz com que os chifres penetrem a pele do infeliz como também rompe as glândulas de veneno, fazendo com que ele seja inoculado na vítima.
E o veneno do chifrudo não é fraco, não. É nada mais nada menos 30 vezes mais poderoso do que o de uma jararaca. Três microgramas do veneno do Aparasphenodon brunoi são suficientes para matar um camundongo; a jararaca precisa gastar noventa e cinco microgramas do seu se quiser papar um ratinho gordo. Um dos cientistas, Carlos Jared, levou uma chifrada do  Corythomantis greeningi ao manipulá-lo em seus estudos : a dor foi fortíssima, espalhou-se pelo braço e durou mais de cinco horas. 
Os cientistas ainda não sabem ao certo que pressões ou mecanismos evolutivos teriam dotado os sapos dessa verdadeira bateria de defesa antichifre, mas o Azarão sabe. 
Ao contrário do que pensa o populacho, a patuleia, a choldra ignóbil, o meio ambiente não muda ninguém, o meio não confere novas características a nenhum ser vivo, nenhum ser vivo muda em função dos obstáculos que o meio lhe impõe à sobrevivência e à reprodução, a necessidade não faz ninguém mudar. As mudanças, a aquisição de novas características, ocorrem totalmente ao acaso, através de mutações e recombinações gênicas, independente do meio circundante. 
O que o meio - juiz imparcial que não faz as leis, mas que as segue rigorosa e implacavelmente - faz é determinar se tal nova característica dá ou não alguma vantagem ao seu portador, se aquele presente do acaso, de alguma forma, torna o sujeito mais apto a sobreviver e a se reproduzir, naquele meio específico. Se sim, ele vive mais e deixa mais descendentes. Seus descendentes, herdeiros de sua carga genética, também viverão mais que os descendentes dos outros e também deixarão mais descendentes, e assim por diante. Depois de alguns milhares ou milhões de anos e gerações, o que inicialmente era atributo de um indivíduo passa a ser qualificativo de toda a espécie.
Mas, enfim, qual foi a grande vantagem evolutiva que os chifres dos sapinhos em questão lhes proporcionou, por que uma coroa de chifres ao redor da cabeça os tornou mais aptos a passar seus genes às gerações seguintes? 
Os cientistas especulam. O Azarão sabe! E a resposta é simples : as parceiras desses cornos peçonhentos, as sapinhas que desposam esses chifrudos venenosos, frente a tal poder de retaliação, cuidam de manter as pererecas da vizinha bem presas na gaiola. Sapo de fora não canta na lagoa do Aparasphenodon brunoi e do Corythomantis greeningi; à esquerda e à direita da foto abaixo, respectivamente.

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4 Comentários

  1. De cornos você entende muito bem, azarao.
    Tudo bem, quem ainda não foi é porque um dia será.
    Marcelo.

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  2. Rapaz...quem é esse Marcelo? Leitinho.

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    1. Pois é, achei que fosse você. Agora, dos marcelos conhecidos sobrou o Marcellão, mas acredito que ele escrevesse com dois "eles".
      De repente, é o ex-boiola, que também se chama Marcelo, sei lá.

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  3. Rsrs. Acho que não. Eu nunca conheci um Marcelo boiola. Nem com um e nem com dois "eles".

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