Os considerados incultos da música popular, os tachados de bregas, tem muitas vezes laivos poéticos dos mais inspirados, como se o que lhes faltasse em erudição, sobrasse-lhes em sofrimento genuíno, vertido em puro lirismo.
Ninguém sofre como os broncos, como os brutos. Ninguém grita e chora mais alto do que os que sofrem em silêncio. Ninguém vomita mais poesia do que os que engolem a dor e o sal do mar, que não é o das lágrimas de Portugal, mas o da desilusão, o da cornagem, o mais escuro e abissal dos oceanos.
Waldick Soriano é um desses casos. Ele não é cachorro, não. E é muita coisa além disso. Não que precisasse. Quem gravou a canivete uma canção dessas na alma de toda uma nação, feito quem escalavra no lenho de uma árvore um coração com flecha a trespassar as iniciais dos nomes dos amantes, não precisaria ter feito mais nada. Poderia, para todo o sempre, ter continuado a não ser um cachorro, não.
Mas fez. Waldick é dono de extensa discografia. Waldick, igual aos de sua estirpe musical, rima amor com dor, a rima mais banal de todas.
Tom Jobim e os da Bossa Nova rimaram amor com o Corcovado, o Cristo Redentor, que lindo. Acontece que quando o sujeito toma aquele pé na bunda, aquele desacerto colossal, ele quer que o Cristo Redentor se foda. Ele não quer banquinho, violão e uisquinho. Ele quer ouvir música no zonão, tomar um traçado, um rabo de galo, ele quer é a boate azul, a dama de vermelho, ele quer é esganar o mala do João Gilberto.
Quando o bruto é ferido no coração, a única parte não blindada de seu corpo, ele não sabe de corcovado, de riso que se fez em pranto, de eterno enquanto dure, ele sabe da dor... do amor, ou do desamor.
O bruto põe o coração de luto. Waldick punha o seu, e seu luto nas canções.
Na canção Meu Coração Está de Luto, o corno assiste ao casamento da amada, diz que ela casou por dinheiro, diz, como não poderia deixar de dizer, que dói demais a dor do amor, e conclui o seu relato, que é um calvário musicado: para mim, não foi noivado, para mim, foi um enterro, que de branco ali passou.
Um enterro, que de branco ali passou... Pããããta que o pariu! Isso é puro mal de século! É Byron redivivo! É de fazer retorcer de inveja o imberbe, cabaço e tuberculoso Álvares de Azevedo. Um funeral de branco! É gótico, é noiva cadáver, é tudo o que Tim Burton sempre quis dizer.
E é uma puta duma fossa. E que fossa, hein, meu chapa...
Meu Coração Está de Luto
(Waldick Soriano)Hoje está fazendo um ano
Que assisti teu casamento
Hoje está fazendo um ano
Que deixaste a minha vida
Um rosário de tormento
Meu coração está de luto
Hoje está fazendo um ano
E por ti vivo sofrendo
E que me deste desengano
Tenho medo de morrer
Dói demais a dor do amor
Esse amor não morrerá
A saudade ficará
Nesse peito sofredor
Tu casaste por dinheiro
A vaidade te obrigou
Para mim não foi noivado
Para mim foi um enterro
Que de branco ali passou.
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