O poeta. Uma noite de autógrafos.
Ou um dia, ou uma tarde. A constante prevaricação do sono, as lâmpadas fluorescentes, os espelhos, as vitrines de neon da livraria megastore, as pessoas fosforescentes e as telas dos telefones celulares acendendo em suas mãos feito vagalumes no cio - é nisso que as pessoas, os "leitores", se transformaram, pensou o poeta, em bundas que acendem e apagam, vagalumes sem luz própria com holofotes direcionados para os seus rabos -, impedem que o poeta, que há décadas anda sem relógio, tenha a exata noção do tempo.
Por que uma noite de autógrafos num ambiente de luzes insalubres e cancerígenas? Fizessem logo ao meio-dia, sob sol de rachar mamona, seria, ao menos, um pretexto para o poeta recusar-se em ir.
De qualquer forma, tanto faz a hora, uma sessão de autógrafos é um teste de sobrevivência para o poeta. Desses em que o sujeito tem que se virar num deserto - comer cactos e escorpiões -, ou numa floresta equatorial - resistir à base de água infecta e pantanosa e larvas brancas de coqueiros. Transformar dejetos em banquete, em ambrosia.
Ter contato com seus leitores, respirar a merda deles e continuar a verter isso em poesia não é tarefa para qualquer um. É preciso muito mais do que simplesmente gostar do que faz - aliás, é melhor que nem se goste tanto-, é preciso não ter outra opção de sobrevivência, não ter outra coisa para comer, senão escorpiões e larvas.
A mão do poeta foi autografando, só a mão, transformada em um carimbo de cartório, de repartição pública, o cérebro nunca participava do processo, pelo contrário, se encasulava, se resguardava, só travava diálogo, silencioso, com a garrafa de vinho tinto posta, e renovada sempre que preciso, à direita do poeta, sua única exigência, quantas garrafas de vinho pudesse entornar.
O poeta nunca entendeu o porquê das pessoas quererem sua assinatura preposta na folha de rosto do livro. Seria uma certificação de qualidade da obra? Aumentaria seu valor? Que valor? Na verdade, o poeta nunca entendeu o motivo das pessoas comprarem o seu livro, ou qualquer outro.
O poeta, às vezes, enquanto autografa, solta peidos propositais, que seus leitores sentem, mas fingem não perceber, poucas coisas divertem mais o poeta, durante uma sessão de autógrafos, do que ver a cara das pessoas sufocando com seu peido e sorrindo, fazendo que está tudo bem.
Se querem algo real dele, pensa o poeta, que joguem fora seu livro e seu autógrafo, que levem seu peido impregnado nas narinas para casa.
Aí, chegou a repórter gostosinha - de uma revista literária, suplemento literário, ou merda que o valha -, recém-saída da faculdade, e do banho, vistos seus cabelos molhados e os bicos dos seios, eriçados, arrepiados pelo frescor da água que ainda deles se evaporava, blusa em tecido de gaze.
Elas sempre vinham, nem sempre gostosinhas, mas sempre repórteres.
- Cada poema, cada livro novo, é como se fosse um filho, não é? - começou a repórter gostosinha.
A resposta real do poeta seria impublicável, mesmo em sua poesia fescenina. Se fazer um livro é igual a fazer um filho... Pergunta típica de quem só sabe mesmo fazer filhos, pensou o poeta.
- Sim - respondeu o poeta à repórter gostosinha.
O poeta aprendera que responder "sim" evita muitas aporrinhações. Diga "não" e explicações subsequentes, intermináveis, serão necessárias. O "sim" satisfaz ao perguntador, corrobora a ideia embutida na pergunta que ele julgou genial fazer, afirma uma certeza que o perguntador já tinha, e para a qual só queria a anuência do poeta.
Essa é a grande merda de hoje, pensou o poeta, as perguntas vêm cheias de certezas, não de dúvidas. É saber manipular uma tecnologia quase alienígena, de cujos fundamentos não fazem a menor ideia, que dá às pessoas a sensação de que sabem tudo. Que merda de rumos poderá tomar a humanidade, pensou ainda o poeta, uma vez que plena de certezas interrogativas e esvaziada de dúvidas afirmativas, exclamativas?
Dizer "sim" para não ter que explicar o "não" foi a verdadeira literatura que o poeta aprendeu ao longo de sua vida.
- A preparação do livro, os cuidados em sua gestação, a ansiedade de vê-lo publicado, dado à luz das livrarias, deve equivaler à dor de um parto, não é? - completou a repórter gostosinha.
Dor do parto? Essa havia doído no poeta, até mais que um impossível parto seu.
- Sim - respondeu de novo o poeta. E com gulas aos seios da repórter gostosinha, deu-lhe um um bônus :
- Sim, e devo dizer que são incomuns as perguntas inteligentes como as suas, raro alguém tão jovem quanto você com tanta sensibilidade e perspicácia.
A repórter gostosinha se babou de satisfação. Por todos os seus poros e orifícios.
Sim, sim, sim... o poeta foi respondendo, uma sucessão quase que infinita deles.
O "sim" final, porém, estava a ser dado agora, pela repórter gostosinha, ajoelhada (quase de quatro) nua na frente do poeta, sentado na poltrona do quarto, a chupar avidamente o pau dele, a pagar-lhe um tremendo dum boquete.
Que a poesia também serve para isso, conclui o poeta - com aquela ventosa que era a boca da repórter gostosinha a succionar seu cacete, fazendo um serviço de primeira, a desentupir todas suas artérias e veias -, aliás, fundamentalmente para isso.
Descendo a visão pela nuca da repórter gostosinha, seguindo por suas costas lânguidas e delgadas, o poeta divisa a divisão das nádegas dela, o famoso rego do cu, o qual ele supõe - adivinha - que seja rosado e piscante.
Logo, logo, decide o poeta, a repórter gostosinha terá um vislumbre muito próximo do que pode ser uma dor do parto.
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