O Analfabetismo Democrático

O regime militar (1964-85) - vulgarmente chamado de ditadura militar -, como todo regime de exceção, proibia a veiculação de ideias que julgasse subversivas ao sistema, ou ameaçadoras aos seus propósitos.
Muitos jornais, músicas e livros foram censurados, e seus autores chamados a depor. Se bem que a proibição de uma obra ocorria geralmente de forma tardia, depois dela já ter sido lançada e alcançado as lojas, bancas e livrarias.
Eu mesmo cheguei a ouvir muita música proibida na época e li alguns livros "subversivos", sempre algum acabava escapando em um uma livraria ou biblioteca, ou no fundo da prateleira de uma loja de discos. Mas ainda que o veto a uma obra não impedisse, muitas vezes, o acesso a ela, o fato é que o regime militar proibia livros. O que é inadmissível e indefensável.
A chamada democracia brasileira, via de regra, não proíbe jornais e livros. Houve alguns casos nos dois governos Lula, mas poucos, digamos que não foram numericamente significativos, embora abram precedentes perigosíssimos.
A democracia brasileira não proibe livros. Ela é muito mais engenhosa - e eficiente - na forma de impedir que ideias e informações que deponham contra o regime cheguem ao povão. A ditadura proibia que se lessem certos livros, a democracia proíbe que bem se alfabetizem os alunos.
Genial! Maquiavelicamente brilhante! Proibir livros - e principalmente manter e fazer valer a proibição - é trabalho árduo, de constante vigilância e oneroso, envolve a contratação e o treinamento de censores, de fiscais e agentes que investiguem e autuem os infratores etc. Sem contar que é uma atitude nada simpática, que em nada colabora para a popularidade e o sossego de um governante.
Criar gerações e mais gerações de semianalfabetos dá muito menos trabalho, além de sair muito mais barato. Proibir é um trabalho diário, um cabo de guerra interminável. Ao passo que uma vez mal alfabetizado o povo de um país, os livros podem ser escritos, publicados e expostos nas livrarias à vontade, sem medo. Não haverá quem se interesse em lê-los.
E é justamente a estratégia que a democracia brasileira vem empregando nas últimas duas décadas.
As atuais leis que regem o ensino público desfiguraram a escola, subverteram seu propósito básico, introduzir a criança às letras, aos números e aos rudimentos do conhecimento acadêmico. E cobrar severamente que ela aprenda.
Com o trágico retorno desta democracia que aí vemos, a escola foi declarada para todos. Nada é para todos. Uma vez declarada para todos, tornou-se terra de ninguém. Não existem normas de conduta claras, não há obrigações para o aluno e seus pais, não há mecanismos legais que deem suporte à manutenção de um ambiente minimamente ordeiro.
A escola, sob o simpático e canalha pretexto da inclusão social (todo canalha é simpático), virou um centro de convivência forçada, ou um local de socialização, como preferem os pedagogos, sociólogos e outros da mesma laia.
O acesso à escola deve ser dado a todos, o acesso. A permanência no ambiente escolar, porém, deve ser garantida apenas aos que a ele se adequam, aos que a ele são afeitos e o prezam.
Hoje, contudo, há todo o tipo de gente confinado aos bancos escolares; principalmente gente que não tem - não nasceu com - a menor afinidade pelo estudo, pelo conhecimento sistematizado.
A escola de hoje não é mais a escola-escola. É uma grande creche para adolescentes, ou uma disfarçada prisão de regime semiaberto. Sim, levando em conta que o nosso código penal, falsamente humanitário, impede a prisão do menor de 18 anos, que ele fique, então, preso nas escolas, nos prédios em que, antigamente, habitavam as escolas, e que delas só herdaram o nome em letras apagadas em suas fachadas; só fachada.
As escolas públicas são autênticos barris de pólvora, panelas de pressão, intestinos constipados, verdadeiras zonas de conflitos. Aprender em um ambiente destes? Só se o cara for muito bom, ou tiver muita sorte; trabalhar e ensinar, idem.
A grossa maioria sai mesmo semianalfabeta das escolas, incapaz de ler e entender mais que o nome do itinerário do ônibus que a levará ao trabalho e a trará de volta à casa. Saem da escola levemente domesticados e adestrados, sabendo balbuciar monossilábicos e apertar alguns botões, habilidades que lhes garantirão um bom subemprego e a felicidade idiota por ter este subemprego.
Repito : há duas décadas, a democracia brasileira proíbe que corretamente se alfabetizem as novas gerações.
Diante disto, chega a dar pena da ingenuidade truculenta dos militares, que meramente proibiam livros.
Analfabetizar a população é muito mais inteligente. E é serviço que só se faz uma vez. Tornado analfabeto uma vez  (e iludido que é alfabetizado), analfabeto para sempre. É irreversível.
Para o analfabeto diplomado, um livro é a própria Pedra de Roseta de Champolion, tão estranho quanto um artefato alienígena. O sujeito nunca quererá nada com eles, os livros.
A boa notícia para os escritores é que, enquanto perdurar esta democracia, dificilmente serão censurados, ou levados a algum porão para prestar "esclarecimentos"; a ruim é que, cada vez mais, menos e menos pessoas se disporão a ler seus livros, ou serão capazes de.
Sou pela volta da escola-escola, da escola para quem gosta da escola. E pela volta da ditadura, se para a volta da escola-escola preciso for.
No clássico 1984, George Orwell nos mostra um Estado totalitarista e implacável em que a desconstrução da linguagem escrita é um dos mecanismos de controle sobre a população. Orwell ficaria surpreso em ver o quanto uma democracia é muito mais eficaz neste sentido.

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2 Comentários

  1. Bobagem, Azarão! A razão das escolas serem um lixo é pura incompetência de nossos governantes mesmo! Não há um plano para se analfabetizar as pessoas, aliás, o índice de analfabetos nunca esteve tão baixo (Índices esses da ONU e não do governo brasileiro). Além disso, nunca tivemos tantos bons empregos que exigem um mínimo de conhecimento para sua execução! Mas de fato, nossas escolas são terríveis! Nossos governantes não tem a menor idéia do que fazer com elas, de como preparar professores, como trazer segurança, manutenção e tantas outras coisas de que necessitam! Os piores profissionais integram a administração pública, não tem como isso ir pra frente!

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  2. Vou discordar de você:nossos governantes não são incompetentes coisa nenhuma, ou não estariam mandando no país há décadas, há séculos, até.
    Eles são muito competentes, e sabem exatamente o que estão fazendo. Este sucateamento da educação, acredite, não é por acaso, é muito bem planejado e orquestrado.
    Quanto aos índices de analfabetismo da ONU, creio que sejam os dados que ela recebe do governo brasileiro. Se o cara tem o diplominha, imediatamente ele sai da estatística de analfabetismo.
    Há um ranking da educação, organizado anualmente pela UNESCO, e o Brasil se encontra na 88ª posição, entre 127 pasíses avaliados. Na América do Sul, só "ganhamos" do Suriname.
    Caso se interesse : http://amarretadoazarao.blogspot.com.br/2011/10/campeoes-de-merda.html

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