Pequeno Conto Noturno (15)

Ponteiros cambaleando no limbo entre as quatro e cinco horas da manhã, horas de crepúsculo às avessas, de escuridão vacilante e luz indecisa.
Rubens caminha a passos largos, pela única razão de que seus passos são largos, nada a ver com firmeza ou decisão, com uma lata de cerveja de conteúdo meio morno e já pela metade. Precisa descobrir/decidir se o dia que se arvora é uma sexta-feira ou um sábado. Se sexta, direto para o trabalho, sem café; senão, voltar para seu pequeno apartamento e, com sorte, morrer até as três ou quatro horas da tarde.
Rubens passou as últimas duas semanas na casa de Bionda, acabando com o estoque de bebidas dela e dando uma trepadinha aqui e outra acolá. Mas mulher é foda, e nisso não há exceção, pensa Rubens, com o tempo, todas começam a exigir mais do cara do que ele pode oferecer. Bionda é uma quarentona descasada, meio neurótica, gostosa toda a vida, é verdade, mas problemática até a medula, e Rubens deu-lhe uma boa manutenção no decorrer desses dias.
Pois Bionda lhe jogou à cara que ele não estava fazendo valer o que bebia. Que o que ele trepava não pagava a cerveja que ela gastava com ele.
Rubens teve ganas de bem espalmar a mão direita, passá-la por entre os cabelos da nuca de Bionda, puxar bem forte, como às rédeas de uma cavalgadura e varar-lhe o pau rabo adentro. Sem dó, sem vaselina nem beijinho na orelha.
Rubens, contudo, estava encharcado de cerveja e de sono. Conseguir uma ereção naquele momento, uma meia-bomba que fosse, seria um feito de proporções históricas. Rubens tomou a única atitude digna a um homem em tal situação : vestiu as calças, mandou Bionda tomar no cu, passou pela geladeira, pegou a última lata de cerveja e picou a mula de lá.
Bionda que se enfiasse uma cenoura, um pepino, um nabo, uma berinjela... e foi listando mentalmente um longo elenco de substitutos vegetais para a piroca, e pensando que até nisso a mulher leva vantagem. Em adolescente, até mesmo em certo estágio de sua vida adulta, quando as bucetas não lhe vinham fáceis, Rubens nunca conseguiu encontrar um substituto adequado para elas.
Rubens estaca seus passos numa esquina. Ainda não se decidiu entre a sexta e o sábado, entre ir para o trabalho ou para a sua hibernação. Sabe - aprendeu isso a duras penas - que qualquer decisão tomada em seu atual estado de embriguez, por mais lógica que pareça, acaba em merda das grandes. Decisão tomada às portas da aurora, então, é desgraça garantida.
Rubens se senta à soleira de granito de uma autoescola e resolve acabar com a meia lata de cerveja. Esperar. Deixar o dia nascer. Seja ele sexta ou sábado. Não cabe a ele essa escolha.
Resolve que cabe a ele somente o que ele é capaz de dar conta, do resto da cerveja.
O dia, o dia decidirá.

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