Um Dia na Vida (17)

Hoje, seis e pouco da manhã, um gato cruzou meu caminho. Não um gato preto; um siamês. 
Meio filhotão, ainda. Saído do pequeno jardim de uma casa de esquina. Jardim com roseiras, dálias, boldo, hortelã e funcho. Uma casa pequena, antiga, portão e muro baixos, janelas de madeira com gelosia, alpendre com samambaias e comigo-ninguém-pode e nicho para o santo no canto superior; casa de vó, enfim. Entre duas cadeiras de vime, as vasilhas com água e ração do bichano(a).

O(a) gatinho(a) passou por entre as grades do pequeno portão e ficou parado(a), olhando para mim. Agachei-me e fiz sinal para que ele(a) se aproximasse, já esperando que fugisse em direção oposta. E ele(a) veio até mim, miando baixinho, esfregou a cabeça em minha mão e, encurvando as costas como só eles fazem, roçou o corpo na minha perna.

Não era fome. Sua vasilha, no alpendre da casa, estava bem fornida de ração. Não era por uma mão provedora que ele(a) buscava e afagava com a cabeça; apenas a minha, magra, seca e de unhas roídas. Não era por algum tipo de interesse - como dizem, injustamente, ser da índole dos gatos - que se esfregava em minha perna.

Reconhecera, talvez, a sua alma baldia na minha. As duas únicas viv'almas na rua àquela hora da manhã. Fiquei por poucos segundos ali com ele(a), meio minuto se tanto. Levantei-me, retomei meu caminho e ele(a) seguiu-me ainda por uns metros e logo voltou para o alpendre, onde se instalou, com um pulo, na almofada florida de uma das cadeiras.
 
Por um momento, esqueci-me das chateações, da preocupações e dos recentes atritos com o filho, do dia inútil e improdutivo que já raiara antes do nascer do sol e que prosseguiria até o ocaso do mesmo.
Apenas por um momento.
 

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