Os Dragões da Praça

Eu sou um velho.
E não venham me dizer
Que os 60 são os novos 30.
Enfiem os novos 30
Em vossos cus.

Eu sou um velho.
Não quero saber de suas opiniões a respeito.
Nunca quis.
Por que insistem em me dá-las?
Vão para o Inferno com elas.
 
Eu sou um velho.
Me deixem ser um velho.
 
O couro da mão parece pele de galinha,
Os calcanhares,
Solo esturricado e rachado do Nordeste.
 
Os cravos (ácaros)
Ocupam em assentamento o meu nariz,
Os pelos teimam em não se acomodarem mais dentro das narinas,
As sobrancelhas entortam e retorcem-se,
As pálpebras, preguiçosas, caem cada vez mais tristes.
 
Vasos e capilares arrebentam
E bordam um mapa hidrográfico
Nos peitos dos pés e tornozelos.
Os joelhos rangem mais que portas de filmes de assombração,
O pau, não bastasse mole, entorta.
Os fungos tornam em cream crackers quebradiças
As unhas das mãos.
 
Sou um velho.
Um terreno sendo esterilizado,
Um pasto sendo desmineralizado,
Um antepasto para a Morte.
 
Sou um velho.
Sentado num banco de praça
E dando milho aos dragões
Que ciscam e arrulham 
Por entre os meus pés.
 

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5 Comentários

  1. Primeira vez na minha vida que vejo um texto poético e tão realista ao mesmo tempo. Parabéns

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    1. Ora, e quem disse que o realismo não pode ser poético?
      Bom que gostou.

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  2. Rapaz, isso nem é mais um poema, é um laudo médico, uma auto-anamnese!

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    1. Obrigado. Vindo de alguém que tem a escrita por profissão, é um grande elogio.

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