Viagra Para a Cabeça do Canário

Quando eu era moleque, isso lá pelo meio da década de 1970, sobretudo em período de férias, frequentava bastante a casa do meu primo Leitinho, apenas um ano mais novo que eu. Na época, o meu tio mantinha várias gaiolas com passarinhos em casa, prática/costume que não eram reprovados e condenados então (e que eu, particularmente, que nada tenho de politicamente correto, sempre achei uma puta duma crueldade). Entre essas, havia umas três ou quatro com curiós, pássaros canoros de nossa fauna dos mais valorizados por seu canto melodioso. As gaiolas ficavam dependuradas numa da paredes externas da casa, ladeada por um corredor, limitado entre ela e o muro.
Para "ensinar" os curiós a cantar, meu tio colocava, no chão, ao fim desse corredor, um vinil gravado com os cantos de curiós campeões, de Robertos Carlos dos curiós, a rodar numa vitrolinha portátil, daquelas que, quando fechadas, viram uma maleta com alça. E ficava lá, aquele pipilar o dia todo. Eu achava irritante, mas... também que sujeito chato sou eu, que não acha nada engraçado, macaco, carro, tobogã, curió, eu acho tudo isso um saco. Secretamente, apiedava-me da minha tia, cuja cozinha em que pelejava grande parte do dia para matar a fome da família tinha uma audição "privilegiada" da cantoria dos curiós. 
Eram, de fato, aqueles curiós, o hobby do meu tio. Não me lembro se ele chegou a inscrever os seus pupilos em algum, mas eram comuns, à época, campeonatos de canto de bicudos e curiós. Certames que, possivelmente, ainda existam até hoje, mas que, na década de 1970, eram uma espécie de moda, de febre.
Tanto que até o Fantástico, da rede Globo, a atração dominical mais vista naqueles tempos de cinco ou seis canais abertos e ainda muito distantes do advento das TVs a cabo e dos streamings, transmitiu uma polêmica, extensa e "séria" reportagem sobre casos de fraude e doping em tais The Voices para emplumados.
Criadores desonestos misturavam sementes de cânhamo ao alpiste e ao painço de seus curiós. O cânhamo, botanicamente falando, é, digamos assim, um primo-irmão da maconha. Um parente mais careta, mais certinho, com níveis de THC cerca de 40 vezes menores que seu consanguíneo mais famoso, teor improvável de causar algum tipo de barato no ser humano. Porém, o suficiente para deixar os curiós muito loucos, muito malucos belezas, e pô-los a cantar muito mais inspiradamente.
Associações e mais associações de bicudos e curiós foram desclassificadas e banidas de tais competições.
Lembrei-me disso porque, ontem, fui até à loja em que compro a ração das gatas Cleonice e Pretinha e, ao chegar ao balcão para acertar meu débito, deparei-me com isso :


Mix Turbo Viagrinha!!! Estimulante sexual para canários, coleiros, ticos-ticos, azulões, curiós, tizius etc!!!
É o viagra para a cabeça do canário!!!! Pããããããta que o pariu!!!
Curioso e desocupado que sou, cheguei em casa, liguei meu velho computador e fui pesquisar. Descobri que existem dezenas de produtos do gênero em oferta no mercado. Dezenas de variações e de formulações desses paudurescentes para aves canoras. Todos compostos e combinados de substâncias lícitas, medicamentos como Promater, Nutrópica, Perila, Fert-Vit, Tenébrio etc, e, principalmente, a maga da fertilidade, a Vitamina E.
Ou seja, diferente da semente de cânhamo, o curió não fica muito louco, muito zen, muito chuchu beleza, ele fica é atesuado!!!! Louco para afogar o ganso, para esgoelar o bem-te-vi. E, claro, se põe a cantar a plenos pulmões para atrair a fêmea, que é a chamariz de cloacas que se presta o canto dos machos.
A Mãe Natureza não mima seus filhos (no que está certíssima), é inflexível quanto às suas regras, e uma de suas cláusulas pétreas é justamente essa : o macho que tem a melhor cantada é o que pega mais fêmeas.
Viagra para curiós... algo que só pode ter saído mesmo da mente doente e insana do ser humano.
O que me lembrou de uma antiga piada, ou melhor, de uma piada das antigas. Publicada no volume 2 de As Anedotas do Pasquim, coletâneas de chistes organizadas por caras como Ziraldo, Millôr Fernandes, Henfil, José Vasconcelos etc, ilustradas pelo traço de Jaguar e vendidas, à época, em todas as boas bancas de jornal da praça.
Uma piada de papagaio. Aliás, acho que deveria ser realizado um estudo sociológico, antropológico, mitológico e folclórico a respeito das piadas de papagaio. Elas deveriam constar do Dicionário Câmara Cascudo. Compor nosso patrimônio cultural imaterial. Creio que elas remontam, que tenham origem, que sejam descendentes contemporâneos das antigas fábulas gregas, feito as de Esopo, de um tempo em que os animais falavam.
Antes da narrá-la, à imitação do canal Viva, da tv a cabo, dedicado ao nicho dos reprises de velhas atrações televisivas e que, ao fim de programas que hoje seriam considerados politicamente incorretos ou preconceituosos, para tirar o seu cu da reta, coloca o seguinte aviso, "esse programa reproduz os costumes e os comportamentos da época em que foi produzido", eu, também para salvar minhas pregas, farei alerta semelhante : "essa piada reproduz costumes e comportamentos da época em que foi contada".
O Seu Zé, matuto das antigas e viúvo há tempos, estava velho mas não estava morto. Tinha lá um lesco-lesco com a comadre Anunciata, que morava em um sítio a uma légua do seu. Naqueles tempos, não havia ainda o viagra. Mas existiam as lendárias "garrafadas", poções mágicas de paudurescência compostas de várias ervas de nossa farmacopeia, de receitas mais secretas que a da Coca-Cola e transmitidas oralmente por pajés e xamãs apenas a alguns eleitos pelos deuses antigos. As garrafadas eram muito comuns no interior de SP, MG e BA. Levavam catuaba, raiz forte, marapuama, lacraias, escorpiões, cobras-corais etc.
Pois bem. Findas as tarefas, o Seu Zé tomou um bom banho, passou leite de colônia no sovaco, penteou-se com Trim e pente Flamengo, finalizou a barba com Aqua Velva, montou em seu alazão e foi ter (e meter) com a comadre Anunciata. Não sem antes, é claro, de tomar uma boa xícara de ferro àgate de sua potente garrafada, para já ir fazendo efeito no caminho.
Distraído, no entanto, Seu Zé esqueceu de arrolhar a garrafada. Não deu outra. O papagaio, que a tudo observava, voou até à mesa e entornou a beberagem. Virou o Zé Mayer. Saiu passando o rodo em todas as penosas do sítio. Traçou as galinhas, as patas, as gansas, as marrecas, as codornas. Quando Seu Zé retornou, encontrou uma verdadeira zona de guerra. Aves e mais aves arrombadas e depenadas pelo papagaio. E o próprio papagaio estava desfalecido, deitado de barriga para cima no terreiro, asas estendidas, pescoço mole. Fulo da vida, Seu Zé foi até o papagaio e começou a esbofeteá-lo para trazê-lo de volta à consciência e tentar tirar dele uma explicação para aquele massacre.
O papagaio, então, abriu os olhos, levou uma das asas ao bico e fez "ssshhhh", pedindo silêncio ao Seu Zé. Sssshhh, fez de novo o papagaio, apontou para o céu, onde circulavam alguns urubus, e falou : "tô aqui me fingindo de morto para pegar aquela moreninha lá."
Pãããããããta que o pariu!!!!

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4 Comentários

  1. Rapaz, anedotas do Pasquim com o ícone Sig na capa!
    Sobre: "algo que só pode ter saído mesmo da mente doente e insana do ser humano", tenho minhas dúvidas. Alguns curiós campeões de canto são negociados por fortunas (cem, duzentos mil contos, por aí...). Então é um investimento racional no canto no bicho. Eu, no entanto, sou contra engaiolar pássaros. Não acho bonito. Mas... é cultural, infelizmente.
    Desenterrou a Aqua Velva. Via esses frasquinhos em minha infância!
    Ótima piada.
    Abraços!

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    1. Cem, duzentos mil? Não imaginava que pudesse chegar a tanto, o que, para mim, só vem a reforçar que o ser humano é mesmo louco.
      O Sig é um clássico!
      Abraço

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  2. acho bastante razoável ter um viagrinha para curió. O que seria o Viagra humano senão uma ração para pinto? Pãããta... (Bartolomeu Guimarães)

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