Cerveja-Feira (72)

Na quarta-feira da semana passada, 05/07, estive em retorno ao consultório da psiquiatra. Indagou-me sobre a minha volta ao trabalho, depois de 45 dias de afastamento laborial. Relatei-lhe, então, a sensação de claustrofobia, as fisgadas de ansiedade no peito e a taquicardia que me acometeram, sobretudo, nos dois primeiros dias de minha redescida ao inferno.
Ela me ouviu, silenciou-se por uns segundos, ponderou e me disse que suas suspeitas iniciais se confirmaram, declarou que desenvolvi um quadro inequívoco de Burnout, mais um elemento somado  à ansiedade, à depressão e ao pânico. Em seguida, fez considerações sobre possibilidades futuras próximas de tratamento e controle, inclusive, a tentativa de obter uma readaptação de função, que foi a de que mais gostei. Mas que precisa ainda me observar durante mais algum tempo e, enquanto isso, recomendou que eu mantenha a medicação atual e continue com as visitas à psicóloga.
Então, não sem um certo acanhamento (sou acanhado), toquei com ela no assunto que não quer calar : a cerveja. Na ocasião, eu já estava há dois meses e dois dias sem beber. Perguntei-lhe se eu poderia, eventual e esporadicamente, consumir cerveja de forma moderada, e, se sim, como fazer isso com segurança.
Médica de loucos das antigas que é, e sisuda pra caralho, começou em tom de reprimenda, de "pito" : - veja bem, como profissional de saúde, não posso aconselhar o consumo de álcool em nenhuma quantidade para ninguém, esteja essa pessoas passando por um tratamento médico ou não, mas... E passou-me informações e instruções para eu não me dar mal em minhas eventuais escapadelas etílicas, em minhas pontuais puladas de cerca, em minhas lúdicas traições à sobriedade.
Em relação ao escitalopram, antidepressivo que tomo logo pela manhã, disse-me que, teoricamente, não há nenhum problema na sua convivência eventual com o álcool, que não ocorre entre eles nenhuma interação medicamentosa significativa. A única questão é que o fígado - esse órgão abençoado e wolverínico - fica com o trabalho de metabolizar duas drogas, o escitalopram e o álcool, ao invés de uma só. O que pode diminuir um pouco o nível de absorção pelo organismo, inclusive, das duas. Mas nada significativo ou preocupante, desde que sejam ocasiões, de fato, esporádicas.
Alegrei-me. Mais do que com o antidepressivo. 
Nesse caso, lembrou-me o abençoado sujeito que vai para a cama com duas gostosas, uma rola e duas bucetas : umas das bucetas vai levar menos rola, mas o dono da rola vai se fartar.
Em relação ao clonazepam, ansiolítico que eu tomo à noite, a coisa muda - e muito - de figura. O álcool potencializa o efeito dele, e, a depender da quantidade ingerida, tanto de um quanto de outro, pode levar a quadros que vão desde tonturas leves e perda de reflexos, passando por desmaios e chegando ao extremo de convulsões. Nesse caso, melhor não tomá-lo no dia (ou noite) em que for consumir cerveja. E só voltar a ingeri-lo, no mínimo, 12 horas depois do último gole.
Resolvi, pois, hoje, nove dias após a consulta e dois meses e onze dias em jejum etílico, reencontrar e levar um lero com minha velha companheira, a cerveja. Dois meses e onze dias... quase duas quaresmas... não há cristo nem cristão que aguente.
Tomarei duas ou três latinhas agora, na hora do almoço, e uma outra meia dúzia de latões à noite. Depois disso, só daqui a um mês.
Comprei, é claro e como sempre, as minhas boas e baratas, uns latões de Lokal. Porém, como fiz boa economia nesses dois meses e tanto sem cerveja, dei-me ao luxo de experimentar dois lançamentos gourmet da Brahma : a Brahma Duplo Malte de Trigo e a Brahma Duplo Malte Tostada.


A de trigo, bem..., é de trigo. Há quem goste e há quem deteste, há até quem nem a considere como cerveja. Particularmente, não me empolga nem me desagrada. Gosto da sua turbidez, da sensação que passa de ser algo mais rústico, sem muitos salamaleques. Perto de outras poucas que experimentei nesse estilo, essa da Brahma é bem boa, encorpada, teor alcoólico de 4,9%, espuma cremosa. Mas eu dispensaria os temperos nela introduzidos, um gosto meio estranho de alguma especiaria, não sei se noz-moscada, coentro ou coisa do gênero. Tempero, tem que ter a comida.
Já a Duplo Malte Tostada, como diz a viadada de plantão, eu super-recomendo. Gostei bastante. Mais amarga, leve odor de lenha queimada, caramelo e defumado que quase chega a lembrar o bacon. Tomaria, fácil, um fardo inteiro dela.
Vamos ver, agora (na verdade, depois), a reação do meu organismo ao álcool após tanto tempo de privação. Rejeição, ressaca? Por via das dúvidas, comprei uma cartelinha do bom e velho Engov e já tomei um antes de começar. 
Por enquanto, uma de trigo ingerida e a tostada pelo fim, meu corpo está a cantar aquela canção do Fagner, Espumas ao Vento : "E de uma coisa fique certa, amor, a porta vai estar sempre aberta, amor, o meu olhar vai dar uma festa, amor, na hora que você chegar".

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8 Comentários

  1. Fico feliz em saber que poderá, na medida do possível, consumir algo que tanto gosta e te rende bons textos. Adorei o "em minhas lúdicas traições à sobriedade". Daria pra desenvolver um texto muito bom a partir disso. E, aliás, me fez matar a saudade de Espumas ao vento, esquecida no fundo de playlists perdidas. Adoro na voz da Mariana Aydar.
    Fica bem, Marreta!

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    1. Por um lado, foi bom, mostrou-me que apesar de gostar muito de uma birita, não sou dependente do álcool. Não tenho dificuldade alguma em ficar sem álcool, só é chato.
      Também simpatizo com essa moça, a Mariana Aydar, ela é filha do baixista de um grupo chamado Premê. Caso não conheça, recomendo essa viagem arqueológica pela MPB.
      Vou ficar melhor, não sei se chegarei a ficar bem , mas melhor, sim. Com o tempo. E muita paciência
      Abraço.

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  2. O melhor do seu texto dessa vez, foi que vi você melhorando. E assim que quero ver um amigo. Paciência

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    1. Grande Uriel!!!
      Rapaz, que legal ter comentado aqui. Muito legal.
      Abraço.

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  3. A vida é muito chata sem cerveja. Essa é a verdade. Força, Azarão.

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