A República dos Presidentes Cornos

O brasileiro talvez seja o povo que mais guarde simpatia e afeição pelo corno, pelo usuário da famosa, temida e inevitável peruca de touro.
Zombamos do corno, é verdade. Tiramos sarro de sua desgraça, caçoamos de seu infortúnio. Mas não para mais abrir e jogar sal em suas feridas de amor. Antes pelo contrário, para que nossas brincadeiras sejam um lenitivo para as suas dores de paixão, para que ele próprio ria de si, que é o melhor dos remédios. Temos um caso de bullying fraternal com o corno.
Celebramos o corno através de várias de nossas manifestações culturais. Exaltamo-no em nosso vasto, gaiato e moleque anedotário; acho que, em quantidade, piada de corno só perde para de bicha e de português. Homenageamo-no em nosso rico cancioneiro, a expressão-mor de nossa cultura; do erudito ao queernejo, 90% do nosso repertório musical são dedicados ao corno. Imortalizamo-no em grandes obras-primas de nossa literatura; o casmurro Bentinho e a messalina Capitu.
O corno deveria ser elevado a Patrimônio Cultural Imaterial da nação.Constar, com destaque, do Dicionário de Folclore de Luís Câmara Cascudo.
E tamanhos são os nossos carinho e predileção pelo corno que, de uns tempos para cá, temos também os elegido para Presidentes da República. Desde 2002, somos governados por Presidentes cornos.
Reza a lenda que o corno é sempre o último a saber.
Inquirido, em 2005, sobre o caso do Mensalão - esquema de desvio de dinheiro público armado pelo PT para a compra de votos de parlamentares -, Lula Inácio Sapo Barbudo da Silva deu uma de corno e declarou que não sabia de nada. Disse-se traído. E funcionou. Lula não só terminou o último ano de seu primeiro mandato sem sofrer impeachment como também reelegeu-se em 2006, para mais quatro anos de rapina.
Perguntada, em 2014, sobre o escândalo do Petrolão - um "mensalão" elevado à enésima potência, cujo dinheiro era desviado agora dos cofres da Petrobrás -, Dilma Rousseff, a imitar os passos bêbados de seu mentor, também declarou-se ignorante em relação ao assunto, também disse que de nada sabia. Disse-se indignada. Não funcionou tão bem para Dilma. Ainda que não tenha sido exatamente por conta do Petrolão, Dilma Rousseff sofreu o impeachment em 2016. Aliás, um semi-impeachment. Um impeachment pero no mucho. Um impeachment pra brasileiro ver. Foi enxotada da Presidência, mas teve assegurados os seus direitos políticos. Escudou-se com a história de que sofrera um "golpe", e a lorota colou para cima de muita gente. Saiu-se relativamente bem da questão, com poucos respingos do petróleo sujo em sua imagem e, provavelmente, com barris e mais barris de dólares em sua conta bancária.
Quando posto contra a parede, em 2017, sobre o caso do Triplex do Guarujá, o Seboso de Caetés, mais uma vez, declarou-se corno da situação; de novo, ele nada sabia. Em 2005, fora corno de seus ministros e de seus líderes no governo; em 2017, corno da própria mulher, Dona-Maria-Letícia-enfiem-essas-panelas-no-cu, que, segundo Lula, era quem estava envolvida na negociação do Triplex e nada lhe dissera. Desta vez, a história pra boi chifrudo dormir não logrou o seu intento. Não colou para cima do implacável Sérgio Moro, o Eliot Ness brasileiro. Que tascou nove anos de xilindró no toba de Lula, um ano para cada dedo de suas mãos; pena aumentada em segunda instância para doze anos e um mês pelos valorosos desembargadores da 8ª Turma do TRF-4.
E agora, em 2021, chegou a vez de Jair Bolsonaro declarar-se corno para tentar tirar o cu da reta e manter-se incomível. Pego de calças curtas no escândalo da Covaxin, no qual o governo brasileiro embolsaria um dólar para cada unidade adquirida da vacina indiana, o Mito está a emular os seus antecessores e tentando uma saída a la Lula, a la PT. Disse que não sabia de nada. Suas exatas palavras : "não tenho como saber o que acontece nos ministérios". Bolsonaro também vestiu a peruca de touro. E de touro da Índia, onde a vaca é sagrada.
Bolsonaro é o Presidente 3Is, imorrível, imbrochável e incomível. Resta ver se, ao fim das investigações, mostrar-se-á também incorruptível, ou não.
Bolsonaro, no entanto, tenho cá pra mim, já tem o seu estrategema muito bem traçado para sair-se dessa. O Cavalão não é o iletrado que, por vezes, finge ser. Bolsonaro estudou, conhece de História e aprendeu com ela. Foi a fundo na vida de nossos grandes estrategistas. E neles continuará a se espelhar
Se, na melhor das hipóteses, tudo se der como a Lula em 2005, Bolsonaro não sofre impeachment, termina tranquilamente seu primeiro mandato e se reelege em 2022.
Se, em um meio-termo, tudo se der como a Dilma em 2016, Bolsonaro sofre o impeachment, mantém seus direitos políticos para candidatar-se, por exemplo, a senador, alega que foi vítima de um golpe comunista, convence a uns tantos e se sai relativamente bem da questão.
Se, na aparente pior das hipóteses, tudo se der como a Lula no caso do Triplex do Guarujá, Bolsonaro será condenado a uns pares de anos de prisão e encarcerado. Então, os advogados do Messias entrarão com um pedido de suspeição contra quem o tenha condenado, ganharão a causa, Bolsonaro será libertado e voltará a concorrer num pleito presidencial futuro próximo; e agora com mais força ainda, na pele de um injustiçado.
E la nave va. E a caravela vai. Há mais de quinhentos anos.
Mas pior que o corno que é o último a saber, é corno que não quer saber, que não quer ver. É o corno que vê a mulher chegar em casa com chupões no pescoço e nas tetas e acredita que ela tropeçou e caiu nas escadas do prédio. Pior é o corno que quer a biscate de volta, que não pode viver sem o chifre.
Nesse caso, esse tipo de corno não são os nossos presidentes. Somos nós. Os eleitores. Que seguimos a votar nesses canalhas mesmo diante de provas irrefutáveis de suas desonestidades.
Como voltaremos a fazer em 2022, quando levaremos Lula e Bolsonaro ao pódium do segundo turno. A partir daí, ganhará o que tiver o maior rebanho.

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7 Comentários

  1. É a mais bruta realidade em palavras. Comentei esses dias no blogson que o ideal seria o Bolsonaro tomar um impeachment sem direitos políticos e, de quebra, o Lula também estar inelegível para a próxima eleição. Já imaginou? Assim poderíamos escolher errado de modo diferente nosso próximo presidente. Ou devo dizer, presidenta?

    Falando sobre o esquema da vacina. Achei um esquema meio burro. Não sei como alguém ainda fica com dúvida do envolvimento do Bolsonaro e sua família no caso. A presença e o nervosismo do Flávio Bolsonaro na CPI tiram qualquer dúvida. Mas pior do que isso, só tem mostrado como os militares são podres. Me parece tão evidente o envolvimento do Bolsonaro como o envolvimento do Lula em diversos casos. Já a Dilma, eu tenho minhas dúvidas se ela seria competente para desviar dinheiro. Pode soar estranho, mas acho ela uma boa pessoa. Ela acredita nas bizarrices que diz. Meio igual a Marina Silva, o Eduardo Jorge (que era do PV) e o Cabo Daciolo.
    Da minha parte, já decidi que votarei no Ciro Gomes na próxima eleição. Somente mudaria de voto se o vice dele for alguém do MDB, tipo o Mandetta. Até o momento, toda vez que vejo alguém criticando ele, é pelo jeitão de coronel. E se esse for o maior problema do Ciro, então é uma solução. O cara já tentou tantas vezes ser presidente que talvez realmente faria um bom governo. Ou não, mas me darei ao luxo da tentativa e erro. Pois o erro já está no Governo e o erro anterior quer voltar.

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    1. A eleição de 2022 será a terceira vez em que votarei no Ciro; diante de tantos que por lá já passaram, creio que ele mereça uma chance. Ao menos, é um cara letrado, com boa formação acadêmica e que parece de fato entender do que fala. Também acho - ia até introduzir na postagem, mas acabou não aparecendo um gancho - que o ideal seria o Lula incidir em algum item do ficha limpa e o Bolsonaro estar impedido. Escolheríamos um novo errado, mas teríamos o benefício da dúvida a nosso favor.
      Talvez, muito talvez, a Dilma tenha sido pega pra Cristo mesmo, ou pra Crista; talvez ela tenha sido uma anta expiatória nisso tudo; talvez. Mas... como diz o filósofo e macaco José Simão : não tem virgem na zona.

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  2. O corno alegre sempre me lembra o marido traído de Disque M para Matar de Alfred Hitchcock. A cena do recrutamento do assassino da esposa pelo marido é genial. A fleuma e o humor britânicos enquanto ele conta a história da traição para o bandido, que ouve tudo como uma maldosa e divertida velhota fofoqueira, valem o filme. Abraços!

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    1. Preciso rever esse filme. Devo tê-lo assistido há uns 40 anos, quando era adolescente. Lembro que gostei muito dele, mas não me lembro, hoje, sequer a trama. Vou ver se consigo baixá-lo na net.
      Abraços

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  3. Nunca tivemos um cenário como o atual. Bolsonaro deu azar de ser Presidente durante o pandemônio e, ainda, fazer péssimas escolhas. Isso sem contar seus filhos, que são um desastre.

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    1. Concordo. Não bastasse toda a resistència que já sabíamos que Bolsonaro iria sofrer, por conta de ter se elegido sozinho, sem coligações e conchavos, por ter chegado ao Planalto sem dever favor politico a ninguém, veio ainda essa desgraça do vírus chinês. Mas acontece que, ainda que ele não tenha participação ativa em nenhuma maracutaia, ele está cercado de gente (inclusa a sua prole maldita) envolvida em corrupção; e, de fato, é triste dizer, não tem como ele não saber disso. No mínimo, ele fez vistas grossas. E acho isso muito triste, mesmo, muito triste, pois reabre o caminho para o maior ladrão de cofres públicos de toda a história do mundo, o Lula Nove-Dedos.

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  4. Meu caro e moderado Marreta, surpreendi-me com este texto, sereno, meio desencantado mas verdadeiro. O nosso problema é não só ter simpatia pelo corno, o nosso maior problema é gostar de político filho da puta. Concordo com você ao dizer que o Bolsonaro sabia e tentou não saber. Mas soube e nada fez. O que me assusta mesmo é o tamanho do apetite dos corruptos. Um dólar por vacina e 400 milhões de doses é dose para leão, nem o PC Farias teve um apetite tão voraz, pois chegou a propor "apenas" 20% de propina. Terrível! E os corneados somos nós.

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