Odair José é o menestrel dos cabarés e dos rendez-vous.
O cronista dos bordéis e dos lupanares. O Homero da cotidiana odisseia
das boates e dos botequins das bocas do lixo. O Bob Dylan da Praça
Tiradentes. O Chico Buarque das meninas da difícil vida fácil. O santo
protetor das profissionais do serviço sem nota. Em suma e sem mais
prolegômenos : Odair José é o Rei do Zonão.
Dom
Quixote dos puteiros, Odair José nunca cedeu às pressões e às críticas
dos moinhos da mídia "inteligentinha" - e elas foram muitas, e injustas,
e maldosas, até. Sequer cogitou em mudar seu estilo e sua temática.
Tampouco elitizou-se com o sucesso e com o passar do tempo. Nunca
renegou seu passado e suas origens. Nunca cuspiu no prato em que comeu -
e deve ter comido muito. Aliás, deve comer até hoje, vistas as suas
recentes e pujantes produções.
Odair
José nunca abandonou o público que o consagrou. Continua a falar para
os desvalidos, para os zés-ninguém, para os rostos sem nome na multidão.
Continua a cantar em verso, prosa e música as mulheres que ninguém
canta. Mesmo porque nem é necessário, é só chegar numa delas com uma
nota de 20, 50, 100, ou sei lá a quanto anda a tabela da zona hoje em
dia e subir pro quarto.
Hibernar na Casa das Moças Ouvindo Rádio é o seu 37º álbum de músicas inéditas.
E Odair José está mais potente e vigoroso que nunca. O disco não tem
baladinha nem musiquinha mela cueca, não. É paudurescência do começo ao
fim. Odair José é rock'n'roll e pauleira pura. E também blues, feito a
carro-chefe do CD, Na Casa das Moças, uma verdadeira ode às casas de
tolerância.
A Casa das Moças de Odair José tem preços módicos, "Tem uma casa no bairro/Onde mora umas moças/Não é nada tão caro/Cabe bem no meu bolso".
O dinheiro não é a única moeda corrente e de troca por lá; lá os
favores são reconhecidos e recompensados, não há ingratidão e apenas a
ganância pelo vil metal, "Nessa casa das moças/A oferta é o prazer/Mas quem ajuda na louça/Recompensa vai ter/Repeteco de graça/E até beijo na boca".
Pããããããta
que o pariu!!!! Tem até repeteco de graça e beijo na boca!!!! Porra,
Odair, passa aí pra gente o endereço dessas moças!!!
De
onde se vê que Odair José envelheceu, amadureceu e ganhou sabedoria.
Não que mais tirar a puta da zona (eu vou tirar você desse lugar...),
quer é se mudar para lá. De mala e cuia. Certíssimo, o Odair.
Há também a canção Fetiche : "Tapa na cara, beijo na boca/Tô numa transa louca/Nada é pra sempre/Nem mesmo o futuro/O presente está/Num quarto escuro". Nada é pra sempre, nem mesmo o futuro e o presente está num quarto escuro... achei bom pra caralho. Odair arremata a canção : "É só um fetiche, mostra o seu lado patife"
Ainda, a música mais hardcore, talvez, do disco, a quase que explícita Gang Bang,
que, para quem nunca ouviu falar, é uma prática em que uma mulher, de
preferência uma loira ianque peituda, é arrombada de todos os jeitos por
quatro, cinco ou mais homens, geralmente negões do naipe do Kid
Bengala; o que no Brasil, a gente chama de curra, mesmo. Diz a letra de Gang Bang : "Tem uma moça na roda e rola/Um gang bang/Todo o mundo na cola e estão/Querendo sangue/Não é nada demais/Só vale o combinado/Vai com respeito/Pra nada dar erradoUm drink no inferno/Com a turma do mangue/Arranca esse terno/E venha pro gang bang". Pois é. O que é combinado não sai caro.
Engana-se
redondamente, contudo, quem pensa que só de putaria se faz este CD do
cantor. O ollhar atento de cronista das massas de Odair José também faz
dura e justa crítica social à insana conectividade global, à promíscua e
cada vez mais indissociável simbiose entre os humanos e suas máquinas,
os seus computadores e telefones celular, ao modo de ver e viver a vida
sob a óptica de uma tela.
Na letra de Fora da Tela, queixa-se Odair José à mulher amada (provavelmente quedada o dia todo nas redes sociais e a jogar Candy Crush) : "Venha viver/Fora da tela/Se envolver/Achar prazer/À luz de vela". Venha cá, meu bem, acenda a minha vela. Venha cá, querida, incendeie o meu pavio. Come on baby, light my fire! Odair José é o Jim Morrison dos inferninhos. E finaliza : "Quanto mais eu ouço/Mais eu fico surdo/Muita informação/Pra pouco conteúdo".
Enfim, Hibernar Ouvindo Rádio na Casa das Moças é um disco que merece uma boa e cuidadosa audição. Ou duas, ou três, ou mais.
Em
tempos de abjetas sofrências, de asquerosos sertanejos universitários,
de libertinos e corruptores funks e de medalhões de nossa música popular
a repisar velhas fórmulas e antigos sucessos, Odair José, senhoras e
senhores, é que é a grande novidade, o novo garoto do pedaço. Um dos
raros botes salva-vidas da MPB.
Na Casa das Moças
(Odair José)
Tem uma casa no bairroOnde mora umas moças
Não é nada tão caro
Cabe bem no meu bolso.
Solidão e tristeza
Ficam do lado de fora
E amor com certeza
Pra começar não tem hora.
Nessa casa das moças
A oferta é o prazer
Mas quem ajuda na louça
Recompensa vai ter.
Repeteco de graça
E até beijo na boca
O caçador vira caça
Não dá pra dormir
De touca.
Na casa das moças
Os homens esperam
Na fila da louça.
Para ouvir a canção, um blues rasgado, é só clicar aqui, no meu putanheiro MARRETÃO.
2 Comentários
E agora, José?
ResponderExcluirRapaz, nunca o imaginei cantando blues.
ResponderExcluirApesar de não gostar de quase nada nacional, essa música me surpreendeu.
E claro, o cara merece nosso respeito como macho e músico das antigas.